quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Bolsonaro: Sagacidade ou estultice?

O livro "Tormenta" de  Thaís Oyama examina a questão se as polêmicas criadas por Bolsonaro seriam parte de uma estratégia deliberada para controlar a narrativa e desviar o foco dos problemas de seu governo. A tese do livro é que há muito de planejamento nisso. O livro apresenta uma análise do grupo Bites que associa picos de ganhos de seguidores de Bolsonaro nas redes sociais em boa parte a essas polêmicas.

A seguir trechos selecionados do livro que expõem essa tese:

"É por estratégia ou falta de preparo que Bolsonaro dá declarações estapafúrdias e se mete em situações que parecem prejudiciais ao governo?

Sagacidade ou estultice? Sempre que confrontados com a pergunta, assessores palacianos costumam recorrer à mesma saída: “Bolsonaro é muito intuitivo”. Boa parte desse faro, no entanto, passa ao largo da intuição: provém dos monitoramentos da internet que todas as manhãs a “turminha que controla as redes sociais” (...) “[Ele] se cercou de um grupo de garotos que têm entre 25 e 32 anos [e] que fazem uma espécie de cordão magnético em torno [dele]” (...) A “turminha das redes sociais”, também conhecida como “gabinete do ódio” pelo empenho em disseminar podres e calúnias contra adversários, ganhou poder na mesma proporção em que os generais do Planalto o perderam na balança do chefe do Executivo. Likes, compartilhamentos e adesões na internet são a bússola de Bolsonaro.

(...) “picos” de adesão nas redes — saltos que escapam da curva de aumento natural. “Cada um desses picos”, explica André Eler, gerente de relações governamentais da Bites, “significa que Bolsonaro conseguiu fazer uma mensagem transbordar do seu círculo (...)

Pela análise dos picos de adesão registrados nas redes do presidente em 2019, as ocasiões em que o ex-capitão obteve mais seguidores ocorreram quando ele atacou a imprensa — o que explica por que suas críticas aos veículos de comunicação foram se tornando mais frequentes e agressivas.

Se os ataques à imprensa foram o principal fator a impulsionar o número de seguidores de Bolsonaro, as críticas ao PT ou as alusões positivas a Sergio Moro também cumpriram seu papel, bem como os anúncios de medidas governamentais com impacto direto no cotidiano da população (o fim do horário de verão, por exemplo).

Foram observados onze picos de conquista de seguidores do presidente em 2019. Em sua análise, a Bites cruzou a variação do número de perfis com o escrutínio das nuvens de palavras associadas nas datas examinadas. 

1. “Mentiras da mídia”: No dia 27 de março, Bolsonaro reclamou no Facebook que estava sofrendo “bombardeios diários de fake news”.

Dois dias antes, um post do presidente se queixando da imprensa já lhe havia rendido 230 mil apoios só no Facebook; (...) incentivou que os quartéis comemorassem a “Revolução de 31 de março” e atacou O Globo ao tornar público, como já fizera durante a campanha, um editorial de 1984 em apoio à ditadura militar.

Só naquele dia o presidente angariou 43933 seguidores.

2. Extinção do horário de verão: No dia 5 de abril, Bolsonaro conquistou 37500 novos inscritos ao anunciar o fim do horário de verão, uma promessa de campanha.

3. Cortes na educação: Em 17 de maio, em meio às críticas pelo contingenciamento de verbas na Educação, Bolsonaro postou um vídeo que lhe rendeu 42625 novos seguidores. Nele, o então senador Ronaldo Caiado dizia numa comissão parlamentar que a presidente Dilma Rousseff havia cortado um volume ainda maior de verbas para o setor em seu governo.

4. Manifestações: No dia 24 de maio, o propulsor de adesões (42058) foi a movimentação em torno dos atos de apoio ao governo, marcados para o dia 26.

5. Diminuição de impostos para celular:

O “presidente das pequenas coisas” agregou 44266 inscritos ao se dirigir ao “eleitor das pequenas coisas”.

6. Manifestações pró-Moro: No dia 1o de julho, Bolsonaro ganhou 45527 seguidores.

7. Moro, de novo: No dia 7 de julho, Bolsonaro teve um recorde de interações nas redes ao postar fotos no Maracanã ao lado do ministro Sergio Moro e da Seleção Brasileira, que venceu a Copa América ao derrotar o Peru. 

8. Amazônia: Em 19 de julho, Bolsonaro comentou num vídeo a coletiva à imprensa estrangeira sobre “a falsa defesa da Amazônia por parte de outros países”.

Os posts lhe renderam 49543 novas adesões.

9. Sequestro na ponte Rio-Niterói: Em 20 de agosto, Bolsonaro cumprimentou os policiais responsáveis pela morte de um homem que tentou sequestrar um ônibus na ponte carioca.

No Instagram, acrescentou ao texto a imagem de um policial com o fuzil erguido. Foram mais 52719 inscritos.

10. “Canalhas!”: Mais uma vez um ataque contundente a um veículo de comunicação impulsionou de forma extraordinária o número de seguidores do ex-capitão.

O presidente, na ocasião em viagem ao Oriente Médio, gravou de madrugada um vídeo no qual chamou a TV Globo de “canalha” e “patife”.

A postagem do vídeo lhe rendeu 78752 seguidores em 24 horas, recorde do ano.

11. Lula livre: Em 9 de novembro, um dia depois de o ex-presidente ser solto pela decisão do STF de recuar da prisão após condenação em segunda instância, Bolsonaro postou um texto que concluía assim: “Não dê munição ao canalha, que momentaneamente está livre, mas carregado de culpa”. A frase lhe valeu 50438 adesões. Ataques à imprensa, à esquerda e a Lula são sucesso garantido para o ex-capitão."

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