sábado, 15 de julho de 2017

Para entender o Caso Triplex

Algumas considerações sobre o "Caso Triplexque acho que não são claras para leigos em Direito e para quem não acompanhou os depoimentos:

1) o crime de corrupção passiva só se aplica a agente público e tem como tipificação: "solicitar ou receber, para si ou para outros, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem".

Veja que basta solicitar a vantagem.

2) Por essa razão, não é de fato necessário a comprovação da propriedade do triplex, bastaria que ele estivesse prometido a Lula.

A defesa de Lula se sustenta no fato do triplex não estar registrado em cartório no nome de Lula, como se só dessa maneira o crime de corrupção passiva se consumasse. É uma defesa para leigos, para militantes, mas não para a justiça.

3) Pior, existe prova da propriedade.

Convenientemente, quase todos os defensores de Lula e ele próprio afirmam incessantemente que não há nenhum documento de compra do triplex. Mas isso não é verdade. Há uma proposta de adesão (compra) do triplex datada de 2005, assinada por Marisa.

A perícia da PF (ver aqui) comprovou que o documento foi rasurado para escrever o número 141, correspondente a uma unidade simples, sobre o número 174, o do triplex. Além disso, a palavra triplex foi riscada. Veja as imagens originais (recuperadas pela perícia) e as rasuradas abaixo:



Um ponto estranho sobre a rasura é que a mesma caneta foi usada para escrever o número do triplex e para rasurá-lo. Provavelmente a rasura foi feita em data próxima ao ato de assinatura, no longínquo ano de 2005.

5) além do documento rasurado foi encontrado no apartamento de Lula em São Bernardo um documento de compra do triplex. O documento estava datado de 2004, tinha o número do triplex sem rasura, mas não estava assinado.

Provavelmente, o documento é uma cópia que ficou com o casal Lula quando eles cogitaram comprar o triplex em 2004, sendo que a compra só se efetivou em 2005.

Aliás, a esse documento se soma outro similar, também não assinado, de compra do famoso sítio de Atibaia frequentado por Lula, também apreendido pela PF.

6) Por que então Lula insiste em que só pensou em comprar o triplex em 2013?

Para afastar a tipificação de corrupção passiva, mantendo sua versão dos fatos em seu depoimento durante a condução coercitiva, Lula afirma que ele e Marisa só pensaram em comprar o triplex a partir de 2013, quando Lula não era mais presidente/agente público. 

7) o problema é que essa versão é  totalmente inverossímil devido aos documentos apreendidos e ao fato de que:

- Quando Lula deixou a presidência no final de 2010 as caixas de mudança tinham escrito: praia e sítio [07/2017: esse fato não foi mencionado como prova na sentença de Moro que condenou Lula]


- Uma reportagem do Jornal Nacional de 11/03/2010, quatro anos antes da Lava Jato, já afirmava que "o triplex de Lula estava com a entrega atrasada".

8) outra evidência indireta sobre a propriedade do triplex são perícias em computadores que encontraram evidênciaa de que o triplex já era considerado vendido/reservado desde 2006. Mas para quem, se o apartamento nunca foi oferecido para ninguém além de Lula?

9) Lula também afirma não ter solicitado a reforma do triplex, que custou quase o mesmo preço que o próprio triplex.

O problema é que a cozinha do triplex foi comprada na mesma loja da cozinha do sítio de Atibaia e teve o projeto aprovado por Marisa, conforme troca de mensagens do celular apreendido de Leo Pinheiro.

Por uma estranha coincidência, o sítio que não é de Lula tem a mesma cozinha do triplex que não é de Lula.

10) Em outra informação obtida de celulares apreendidos, a reforma do triplex foi contabilizada pela OAS no centro de custo Zeca Pagodinho 1 e a do sítio no centro de custo Zeca Pagodinho 2. 

Os nomes são uma referência à propaganda da Brahma feita por Zeca Pagodinho e o apelido de Lula dado por Leo Pinheiro de Brahma, o número 1.

Mas como isso se liga à Petrobras?

Leo Pinheiro afirma que o saldo lançado nesses centros de custo era abatido da conta de propina devida ao PT pelos contratos da Petrobras.

No caso da Odebrecht, uma planilha de "encontro de contas" foi apreendida pela PF. Que eu saiba, não houve apreensão de planilha similar para a OAS. Portanto, esse ponto depende da confissão de Leo Pinheiro.

Esse parte da sentença pode ser questionada no julgamento de segunda instância.

11) Lula alega que nunca soube de casos de corrupção na Petrobras. Mas em 2010 determinou que três das obras da Petrobras envolvidas com o Petrolão tivessem continuidade, contrariando decisão do TCU que havia determinado a suspensão dos repasses.

Uma dessas obras, que coincidência, tinha participação da OAS.

[07/2017: esse fato não foi mencionado como prova na sentença de Moro que condenou Lula]

12) Não houve no "Caso Triplex" testemunho de delatores.

Léo Pinheiro confessou seus crimes como corréu e Renato Duque como testemunha. Eles colaboraram na esperança de que o MP aceite uma colaboração premiada.

Uma colaboração premiada não pode ser utilizada como prova. Mas testemunhos de corréus, ainda que com o devido cuidado, podem ser utilizados como provas.

13) a defesa de Lula diz que 73 testemunhas inocentaram Lula

Como exatamente tantas testemunhas podem inocentar Lula? Para boa parte das testemunhas, a "prova da inocência" era obtida de um diálogo do tipo: você viu um documento de propriedade assinado por Lula? Não? Obrigado, você inocentou Lula. Você ouviu falar que Lula esteve envolvido com corrupção na Petrobras. Não? Obrigado, você inocentou Lula.

14) qual o destino do Triplex?

Se a decisão de Moro for mantida, será leiloado para reembolsar a Petrobras.

Nenhum comentário :

Postar um comentário