sexta-feira, 27 de abril de 2018

Blog do Sakamoto: "A Fábrica de Delatores" da Lavajato


O texto foi publicado no UOL logo após a notícia da assinatura da colaboração premiada de Palocci com a Polícia Federal.

O texto se fundamenta  no raciocínio de que a prisão em Curitiba desrespeitaria a Lei de Execuções Penais, impedindo a visita de amigos aos presos, de modo a "amaciá-los" para delações.

A lei, de fato, prevê a visita de amigos, em seu artigo 41, inciso X:

"Art. 41 - Constituem direitos do preso:

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;"

Contudo, a mesma lei prevê no parágrafo único desse artigo:

"Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento."

Quer dizer, é previsto em lei que as regras de visitas se subordinem as condições de segurança de cada local. As visitas sociais (de amigos) e íntimas ainda são um problema no dia a dia do sistema prisional brasileiro, como pode ser visto aqui

Não está claro se Sakamoto sabe dessa restrição prevista em lei. Ao longo do texto ele repetidamente afirma que a Lei de Execuções Penais está sendo ignorada, sem mencionar que a submissão aos regulamentos internos está prevista em lei, desde que motivada:


"retirada de garantias previstas pela Lei de Execução Penal, como a visita de amigos, que ajudam a reduzir a pressão."

"os regulamentos internos não podem se sobrepor ao que está previsto em lei".
"Ao impedir o direito de acesso de Lula a amigos, conforme previsto em lei"
"Nada impede, contudo, que ele receba visitas de comissões de parlamentares a qualquer dia e hora, como a de deputados que foi barrada pela Justiça..."



Além desse ponto em particular, o texto traz várias afirmações questionáveis, sem trazer os contrapontos devidos, função de um bom jornalista, quando as questões abordadas são controversas. Vamos examiná-las:

  • "A pressão dos familiares são uma das principais razões que levam detentos a decidirem por delatar o que sabem e o que não sabem"
De fato, a pressão de familiares contribuem para as colaborações, algo inevitável já que as visitas de familiares não podem ser proibidas. O problema é a afirmação de que colaboradores são levados pelos familiares a delatarem "o que não sabem". Tal afirmação não pode ser feita de modo generalizado a partir da opinião de uma única pessoa ("uma pessoa ligada a alguém que passou uma temporada naquela carceragem"). Aliás, uma pessoa possivelmente interessada em atacar a Lavajato, já que foi presa em virtude da operação.

Temos casos comprovados na Lavajato de colaboradores que omitiram fatos (veja o caso dos irmãos da JBS). Mas ainda não temos caso comprovados de colaboradores que inventaram acusações. 

O caso mais próximo disso seria o de  Delcídio do Amaral, acusado pelo procurador Ivan Marx de mentir ao acusar Lula, Mas essa acusação está longe de ser comprovada (o caso de Delcídio merece ser discutido à parte). Mas Delcídio não serve para a tese de Sakamoto, já que sua colaboração foi relâmpago.

  • "Não raro, são 'amaciados' o bastante para colaborarem com a Justiça. Antonio Palocci é um exemplo. O ex-ministro da Fazenda, que ajudou com seus depoimentos a construir a narrativa que a Lava Jato desejava para ajudar na punição de Lula"
Falta a Sakamoto trazer elementos que comprovem que Palocci mentiu em seu depoimento, para sair do "achismo". As afirmações de Palocci sobre Lula são coerentes com as provas obtidas até aqui e os relatos de outros colaboradores. Por exemplo, o tal "Pacto de Sangue" acompanhado de um pacote de propinas tem vários elementos de corroboração: um e-mail com a pauta de reuniões de Emílio e Lula em seu último dia de governo, a planilha pós-Italiano com a aba "Amigo", as provas de intermediação pela empresa DAG na compra do terreno para o Instituto Lula pela Odebretch  e pela mesma pessoa que "aluga" para Lula o apartamento vizinho ao seu em São Bernardo.

  • Quem apoia incondicionalmente a operação afirma que o método [a extensão indefinida da prisão provisória e a retirada de garantias previstas pela Lei de Execução Penal, como a visita de amigos...] é válido para extrair confissões de desvios milionários de recursos públicos que, caso contrário, não viriam à luz. Os que a criticam defendem que a lei não pode se valer de métodos ilegais para cumprir suas funções....
Sakamoto frequentemente atribui a outros serem favoráveis a tese "dos fins que justificam os meios". Mas quem realmente são essas pessoas que apoiam medidas ilegais para extrair confissões? Os procuradores da Lavajato e o juiz Sérgio Moro sempre ressaltam que as prisões preventivas são exceções e não possuem o intuito de obter confissões. Esse discurso é os do que atacam a operação e são interessados em desqualificá-la. Se há alguma minoria que defende medidas ilegais para extrair confissões, ela precisa ser combatida. 

O ponto principal aqui é a definição do que são medidas ilegais. Sakamoto dá de barato o que ele considera ilegal como verdade absoluta, mas as ilegalidades alegadas são controversas. Já observei isso em mais de um texto de Sakamoto, veja aqui.

Sakamoto considera ilegal a restrição de visita de amigos, mas ela é possível nos termos da lei. Impedir uma romaria de parlamentares de visitar Lula por motivos políticos não é o mesmo que impedir a visita de amigos. Infelizmente, as condições das prisões brasileira são catastróficas e pouco fizeram o governo Lula, Dilma e os anteriores para resolverem de fato essa situação. Um tentativa de melhorá-la é o modelo prisional alternativo das Apacs, ainda muito limitado.

Sakamoto também considera ilegal a prisão após condenação em segunda instância. Mas essa é a jurisprudência corrente do STF e querer o contrário é ser a favor da mais completa impunidade de ricos e poderosos no Brasil, o que a verdadeira "esquerda" deveria ser contra.
  • "O problema não é que ele [Palocci] sabe de menos, pelo contrário. Como ele pode entregar bancos e grandes empresas, a Lava Jato parece estar rachada quanto a aceitar que ele abra o bico sobre o poder econômico"
Mais um "achismo" de Sakamoto. Já que ele presume isso da Lavajato, que tal ouvir o outro lado? Se tem dificuldade em fazê-lo, já que aparentemente só ouviu o lado de quem esteve preso em Curitiba, talvez uma pesquisa na internet ajude. Reportagens de jornalistas mais próximos aos MP de Curitiba apresentam como justificativa para a não assinatura do acordo de colaboração a desconfiança de que Palocci esteja ocultando informações em sua colaboração ("delação seletiva"),  a suspeita de que ele tenha dinheiro oculto no exterior (motivo de sua prisão preventiva) e a falta de provas de seus relatos

  • "Uma vez que sua prisão antes do trânsito em julgado vai contra a Constituição Federal e o Código de Processo Penal"
Essa informação é controversa, como amplamente discutido aqui no site, mas o texto a apresenta como certeza absoluta, sem controvérsias, graças a opinião da "professora da FGV Direito-SP e coordenadora do centro de pesquisa Supremo em Pauta Eloísa Machado".

  • "Como me disse um taxista, nesta terça: 'Detesto o Lula, mas por que só o homem tá preso? E sem poder ser visitado pelos amigos. E o Aécio continua aí, soltinho. Daí, é sacanagem'. Fica difícil retrucar...."
Não é só Lula que está preso. Temos Cunha, Sérgio Cabral, Geddel, Maluf (agora em prisão domiciliar), doleiros, diretores da Petrobras, empreiteiros etc. Veja a lista completa aqui na Wikipedia.

Que tal explicar que Aécio só recentemente teve sua denúncia aceita pelo STF, enquanto Lula já foi condenado em segunda instância? Que Aécio é senador e não pode ser preso salvo em flagrante delito? Que ele tem foro privilegiado e seu processo corre no STF?

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