sexta-feira, 13 de maio de 2016

Os fins justificam os meios?

Retomando o post "Meu Malvado Favorito, o jogo Bang! e ... Política???", para discutir se ele está afirmando que os fins justificam os meios.

No jogo “Bang!”, se você é o Renegado, você é obrigado a jogar sujo se quiser ganhar o jogo. Não quer dizer que fora da mesa do tabuleiro você vai utilizar a mesma moral. 

Os fins justificam os meios?  É claro que não. É um argumento muito perigoso que os políticos utilizam frequentemente para justificar ações que são em seu próprio benefício, mas que eles atribuem a um bem maior. Mas essa questão tem muitas nuances. O problema é que muitas vezes há controvérsia sobre os meios serem legítimos ou não...

Políticos barganharem com Cunha por seus próprios interesses não é legítimo. Mas porque não torcer por uma colaboração premiada dele? Dar publicidade aos processos da Lava Jato é invadir a privacidade dos investigados ou informar a sociedade para evitar acobertamentos?

O "Blog do Sakamoto" abordou essa questão, propondo um "teste", veja aqui. Mas o teste é superficial, a resposta é facilmente "não" para todas as questões, pelo menos para quem não é radicalmente a favor de que os fins justificam os meios. Mas nem sempre as coisas são tão simples. A pergunta de número 6 foi feita sob medida para a polêmica da divulgação do áudio de Lula e Dilma:

"Você considera que grampos e escutas telefônicos captados e/ou divulgados de forma ilegal podem ser usados como provas em processos quando são indícios reais de irregularidades?"

O problema é que não dá para responder sim ou não. A pergunta é capciosa porque ela mistura duas coisas distintas. A divulgação, mesmo que ilegal, de escuta legal não invalida seu uso. Quem divulgou a escuta ilegalmente pode ser responsabilizado, isso é outra coisa. Então fiquemos apenas na  parte da utilização de escutas ilegais. Senso comum, elas não podem ser utilizadas. Mas isso não é algo absoluto. Escutas ilegais podem ser utilizadas para inocentar alguém ou podem ser utilizadas contra a própria pessoa que fez a escuta ilegal. Segundo o direito americano (há projeto de lei nesse sentido no Brasil) provas ilegais podem ser utilizadas se for comprovado que elas seriam inevitavelmente descobertas. É a teoria da "Descoberta inevitável" ("inevitable discovery"). Veja mais sobre essas e outras questões sobre a utilização de provas ilícitas aqui.

Mas o ponto principal é o seguinte: a questão dá por barato que a escuta foi ilegal. Mas é esse o caso da escuta de Dilma e Lula? A escuta de Lula estava sendo feita com autorização judicial. Ela não foi ilegal. Na verdade o argumento principal a favor da ilegalidade é o de que a gravação foi feita algumas horas após o despacho do juiz Sérgio Moro determinando a interrupção da escuta. O problema é que a lei não especifica o ponto a partir do qual a gravação deixaria de ser legal. Será que o momento em que o despacho do juiz é assinado ou anexado ao processo é que a escuta deve ser instantaneamente interrompida?

Até recentemente os processos não eram digitais, eram físicos (em papel). Será que se anotava o momento da assinatura do juiz na folha para saber quando interromper a gravação? Será que a lei manda destruir as gravações colhidas entre a assinatura do juiz no despacho e o momento em que a operadora de telefonia para a gravação? Coloco todas essas questões aqui só para demonstrar como na prática essas questões de legalidade ou não são muito mais complexas (PS: essa questão foi melhor abordada em outro post, veja aqui)

Abordemos agora outra polêmica que ilustra bem o que quero dizer sobre meios legítimos ou não. É a questão da prisão após a condenação em 2o. instância. Segundo o artigo 5º. da CF e alguns de seus incisos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

LXI - ninguém será preso se não em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judicial competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

O STF mudou recentemente sua própria jurisprudência e considerou que já poderia acontecer prisão após a condenação em segunda instância, apesar do que diz o inciso LVII. Seria um caso de aplicação de os “fins justificam os meios” para se contornar o que diz a CF?

Creio que quando duas interpretações jurídicas são possíveis e uma delas está mais de acordo com a moral, porque não defender que haja a interpretação mais de acordo com a moral? Seria um caso de meios e fins legítimos.

O caput (cabeçalho) do artigo 5º. diz que “todos são iguais perante a lei”. Mas na prática a interpretação de que a prisão só poderia ocorrer após o trânsito em julgado fazia com que os ricos e poderosos pudessem postergar o cumprimento da condenação em 2ª. instância até a prescrição da pena. Já os pobres ficam em prisão preventiva sem qualquer julgamento.

O STF, após 28 anos, considerou que a prisão após a 2ª. instância não ofende a CF. O condenado ainda pode recorrer, pode provar sua inocência. Mas terá que iniciar o cumprimento da pena. Veja que o inciso LXI já era utilizado para permitir a prisão preventiva, antes mesmo de qualquer condenação. 

Estamos aqui diante da oposição "garantismo negativo" (direitos individuais, do réu) versus "garantismo positivo" (direitos do coletivo, da vítima, a sociedade). É uma discussão que precisa ser feita com seriedade e não de forma emotiva. Precisamos evitar manipulações de ambos os lados.

Voltemos à questão de Cunha. Uns políticos o acusam de ser o grande mal a ser combatido e que nada pode ser feito até que ele seja afastado. Outros políticos defendem que Cunha é um mal necessário para que outro mal seja afastado. E por isso os dois lados barganham com Cunha. Ambos barganham, mas acusam o outro de barganhar. Ambos estão defendendo seus próprios interesses. 

Já para nós, pessoas normais, que não estamos interessados em barganhar com Cunha para manter ou assumir o poder, Cunha não é um meio, é apenas um obstáculo. Se há um pedido de impeachment com argumentos, o que queremos é que ele seja analisado, já que a decisão sobre isso cabe a 2/3 da Câmara e 2/3 do Senado e não a uma única pessoa. Querer privar a sociedade de discutir essa questão é que é ilegítimo.

A aceitação inicial para que o pedido de impeachment pudesse tramitar estava na mão de Cunha.  A bem da verdade, tal decisão não deveria estar na mão de uma única pessoa. Seria mais justo e legítimo que essa decisão pudesse ser tomada pelo plenário. Infelizmente, o STF concluiu, em ação solicitada pelo própria base do governo, que essa decisão era exclusiva de Cunha.

A nossa democracia falha algumas vezes em concentrar o poder na mão de poucos. Os presidentes da Câmara e do Senado possuem muito mais poder do que o razoável. Podem engavetar assuntos, impedindo-os de serem analisados, porque quase tudo não tem prazo para ser analisado. O PGR sozinho decide se deve pedir ou não a investigação de pessoas com foro privilegiado. Isso permitiu que, durante todo o governo FHC, muitos políticos não fossem investigados.

Para concluir: parte dos escândalos são revelados justamente devido a desentendimentos dentro do núcleo do poder. Veja os exemplos de Pedro Collor, Roberto Jefferson, Delcídio do Amaral. Melhor para a sociedade que esses desentendimentos levem a que pelo menos parte da verdade seja revelada.

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