segunda-feira, 30 de maio de 2016

Considerações sobre a Operação Mani Pulite

Em seu artigo “Considerações sobre a Operação Mani Pulite” (leia aqui), publicado em julho de 2004, Sérgio Moro analisa a operação “mãos limpas” italiana e as possibilidades de termos uma operação similar no Brasil. O artigo é curto e merece ser lido em sua totalidade. O que quero ressaltar sobre ele são 3 pontos principais:

  • O fato de Moro agir na operação Lava Jato de maneira totalmente coerente com o que preconizou em seu artigo de mais de 10 anos antes do início da operação, quando tinha apenas 32 anos;
  • Que Moro ao comentar sobre a existência de um sistema político corrupto no Brasil em 2004, não estava se referindo ao PT, que havia chegado ao poder a apenas um ano e meio, o que torna muito questionável as alegações atuais de perseguições políticas;
  • Que Moro já tinha uma visão muito apurada de como se fazer uma investigação no Brasil contra políticos e empresários poderosos.

Uma investigação sobre um crime menor, lideradas por uma nova geração de corajosos promotores e juízes, graças ao apoio da opinião pública e delações dos envolvidos, desvenda uma complexa rede de corrupção, envolvendo os principais empresários e políticos do país, revelando que o pagamento de propina para concessão de obras públicas era regra e não exceção. Um dos casos mais notórios descobertos envolve uma petrolífera estatal. Conforme confissão de um de seus diretores, o gigante estatal teria efetuado pagamentos mensais aos principais partidos políticos durante anos, se tornando uma fonte de financiamento ilegal para os partidos. As investigações revelaram o envolvimento do principal líder de esquerda do país e dos dois principais partidos políticos que se alternavam no poder. 

À primeira vista podemos pensar que estamos falando no Brasil e da operação Lava Jato. Mas não, o país é a Itália e a operação é a “Mani Pulite” (mãos limpas). Leia a continuação dessa história aqui.

No artigo Moro comenta as três causas identificadas por Porta e Vannucci, estudiosos da operação "Mãos Limpas", para a queda de do sistema de corrupção italiano:
  • Uma conjuntura econômica difícil, aliada aos custos crescentes da corrupção; 
  • A integração europeia, que abriu os mercados italianos a empresas de outros países europeus, elevando os receios de que os italianos não poderiam, com os custos da corrupção, competir em igualdade de condições com seus novos concorrentes;
  • A queda do “socialismo real”, que levou à deslegitimação de um sistema político corrupto, fundado na oposição entre regimes democráticos e comunistas.

Moro analisa as possibilidades de uma ação judicial semelhante acontecer no Brasil. Quer dizer, Moro identifica no Brasil, já em 2004, a existência de um sistema político corrupto, o que levava a necessidade que no Brasil também houvesse uma operação “mãos limpas”. Acontece que, em 2004, Lula havia acabado de chegar ao poder e a expectativa do país, graças à ascensão ao poder do PT recheada de promessas de combate à corrupção, era que o país passasse por um processo moralizador. O escândalo de mensalão só viria à tona em 2005 e o escândalo da Petrobras em 2014.

Assim, quando Moro fala de um sistema político corrupto, ele não estava se referindo ao PT. Falava do sistema político como um todo. Quem estava no governo por 10 anos eram o PSDB e o PMDB, protagonistas do escândalo do Banestado, que estava sendo julgado pelo próprio Moro, enquanto ele escrevia esse artigo. Leia aqui sobre a atuação de Moro.


É interessante também ressaltar que Moro critica em seu artigo a existência do foro privilegiado, ressaltando “as modificações decorrentes da controvertida Lei n. 10.628/2002, que estenderam o privilégio [o foro privilegiado] para período posterior ao exercício do cargo”. Essa lei foi sancionada por Fernando Henrique uma semana antes de deixar o poder. Mais um indício de que o artigo de Moro não se referia ao PT.

Ao analisar as condições institucionais necessárias para a realização de ação judicial semelhante à operação “mãos limpas” no Brasil, Moro identifica como presentes as seguintes condições:
  • Assim como na Itália, a classe política não goza de grande prestígio junto à população, sendo grande a frustração pelas promessas não cumpridas após a restauração democrática; 
  • A magistratura e o Ministério Público brasileiros gozam de significativa independência formal frente ao poder político; 
  • Os juízes e os procuradores da República ingressam na carreira mediante concurso público, são vitalícios e não podem ser removidos do cargo contra a sua vontade.

Como fatores negativos, Moro identifica:
  • O acesso aos órgãos superiores, mais dependentes de fatores políticos; 
  • A concessão, por lei, de foro especial a determinadas autoridades públicas, como deputados e ministros, a pretexto de protegê-los durante o exercício do cargo, o que foi piorado pela lei n. 10.628/2002, que não é coerente com o pretexto da necessidade do privilégio devido ao exercício do cargo.

Veja aqui os principais pontos  defendidos por Moro em seu artigo.

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