segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Liberalismo: uma religião humanista?

A seguir apresentamos alguns trechos do livro de Harari que discutem sua tese de que o Liberalismo, assim como o Socialismo, seriam religiões humanistas:

"Hoje, a seita humanista mais importante é o humanismo liberal, que acredita que “humanidade” é uma qualidade de indivíduos humanos, e que a liberdade de indivíduos é portanto sacrossanta. De acordo com os liberais, a natureza sagrada da humanidade reside em cada Homo sapiens individual. A essência dos indivíduos humanos dá significado ao mundo e é a fonte de toda autoridade ética e política. Se nos depararmos com um dilema ético ou político, devemos olhar para dentro e escutar nossa voz interior – a voz da humanidade. Os principais mandamentos do humanismo liberal visam a
proteger a liberdade dessa voz interior contra a intrusão ou o dano. Esses mandamentos são coletivamente conhecidos como 'direitos humanos'.

Embora o humanismo liberal santifique os humanos, não nega a existência de Deus e, com efeito, se baseia em crenças monoteístas. A crença liberal na natureza livre e sagrada de cada indivíduo é um legado direto da crença cristã tradicional em almas individuais livres e eternas. Sem poder recorrer a almas eternas e um Deus Criador, fica embaraçosamente difícil para os liberais explicar o que há de tão especial nos indivíduos sapiens.

Em 1776, o economista escocês Adam Smith publicou A riqueza das nações, provavelmente o manifesto econômico mais importante de todos os tempos. No oitavo capítulo de seu primeiro volume, Smith apresentou o seguinte argumento original: quando um proprietário de terras, um tecelão ou um sapateiro tem mais lucro do que precisa para manter a própria família, ele usa o
excedente para empregar mais assistentes, a fim de aumentar seu lucro. Quanto mais lucro tiver, mais assistentes pode empregar. Daí decorre que um aumento no lucro dos empreendedores privados é a base para o aumento na riqueza e prosperidade coletivas.

Mas a afirmação de Smith de que o desejo humano egoísta de aumentar o lucro privado é a base para
a riqueza coletiva é uma das ideias mais revolucionárias na história humana – revolucionária não só de uma perspectiva econômica como também de uma perspectiva moral e política. O que Smith afirma é, na verdade, que a ganância é algo bom e que ao ficar mais rico eu beneficio a todos, e não só a mim mesmo. Egoísmo é altruísmo.

Smith ensinou as pessoas a pensarem na economia como uma situação em que todos ganham, em que meus lucros são também seus lucros. Não só ambos podemos desfrutar de uma fatia maior de bolo ao mesmo tempo, como o aumento da sua fatia depende do aumento da minha fatia. Se sou pobre, você também será pobre, porque eu não posso comprar seus produtos ou serviços. Se sou rico, você também enriquecerá, já que agora pode me vender alguma coisa. Smith negou a contradição tradicional entre riqueza e moralidade e escancarou os Portões do Céu para os ricos. 

Ser rico significava ser moral. Na história de Smith, as pessoas ficam ricas não saqueando os vizinhos, e sim aumentando o tamanho do bolo. E quando o bolo cresce, todos se beneficiam. Os ricos são, portanto, as pessoas mais úteis e benévolas da sociedade, porque impulsionam o
crescimento em benefício de todos.

Tudo isso depende, entretanto, de os ricos usarem seus lucros para abrirem novas fábricas e contratarem novos empregados, em vez de desperdiçá-los em atividades não produtivas.  No novo credo capitalista, o primeiro e mais sagrado mandamento é: 'Os lucros da produção devem ser reinvestidos no aumento da produção'.

É por isso que o capitalismo é chamado de 'capitalismo'. O capitalismo distingue o 'capital' da mera 'riqueza'. O capital consiste de dinheiro, bens e recursos que são investidos na produção. A riqueza, por outro lado, é enterrada debaixo do solo ou desperdiçada em atividades improdutivas. Um faraó que destina recursos a uma pirâmide improdutiva não é um capitalista. 

O capitalismo começou como uma teoria sobre como a economia funciona. Mas, pouco a pouco, o capitalismo se tornou muito mais do que uma doutrina econômica. Hoje engloba uma ética – um conjunto de ensinamentos sobre como as pessoas devem se comportar, educar seus filhos e até mesmo pensar. Sua doutrina fundamental é que o crescimento econômico é o bem supremo, ou pelo menos uma via para o bem supremo, porque a justiça, a liberdade e até mesmo a felicidade dependem do crescimento econômico".

Nenhum comentário :

Postar um comentário