quarta-feira, 24 de julho de 2019

Intercept: A Suposta Proteção de Moro a Flávio Bolsonaro

Vamos analisar aqui a pertinência a seguinte manchete do site Intercept e os diálogos vazados da Lavajato:


A reportagem completa do Intercept está aqui. A manchete aparentemente tem como base a seguinte sequência de diálogos:

"8 de dezembro de 2018 – grupo Filhos do Januario 3
Deltan Dallagnol – 00:56:50 – https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2018/12/07/bolsonaro-diz-que-ex-assessor-tinha-divida-com-ele-e-pagou-a-primeira-dama.htm
Dallagnol – 00:58:38 – COAF com Moro
Dallagnol – 00:58:40 – Aiaiai
Januário Paludo – 07:01:20 – Isso lembr
Paludo – 07:01:48 – Lembra algo Deltan?
Paludo – 07:03:08 – Aiaiai
Jerusa Viecilli – 07:05:24 – Falo nada … Só observo
Dallagnol – 08:47:52 – Kkk
Dallagnol – 08:52:01 – É óbvio o q aconteceu… E agora, José?
Dallagnol – 08:53:37 – Moro deve aguardar a apuração e ver quem será implicado. Filho certamente. O problema é: o pai vai deixar? Ou pior, e se o pai estiver implicado, o que pode indicar o rolo dos empréstimos?
Dallagnol – 08:54:21 – Seja como for, presidente não vai afastar o filho. E se isso tudo acontecer antes de aparecer vaga no supremo?
Dallagnol – 08:58:11 – Agora, Bolso terá algum interesse em aparelhar a PGR, embora o Flávio tenha foro no TJRJ. Última saída seria dar um ministério e blindar ele na PGR. Pra isso, teria que achar um colega bem trampa
Athayde Ribeiro Costa – 08:59:41 – É so copiar e colar a ultima denuncia do Geddel
Roberson Pozzobon – 09:02:52 – Acho que Moro já devia contar com a possibilidade de que algo do gênero acontecesse
Pozzobon – 09:03:19 – A questão é quanto ele estará disposto a ficar no cargo com isso ou se mais disso vir
Dallagnol – 09:04:38 – Em entrevistas, certamente vão me perguntar sobre isso. Não vejo como desviar da pergunta, mas posso ir até diferentes graus de profundidade. 1) é algo que precisa ser investigado; 2) tem toda a cara de esquema de devolução de parte dos salários como o da Aline Correa que denunciamos ou, pior até, de fantasmas.
Dallagnol – 09:05:54 – Agora, o quanto ele vai bancar a pauta Moro Anticorrupcao se o filho dele vai sentir a pauta na pele?
Andrey Borges de Mendonça – 09:21:16 – Uma vez pedi no caso da custo brasil e o pt alegou q era impenhorável segundo a lei eleitoral. O juiz acabou desbloqueando sem ouvir a gente. Mas confesso q nao sei se procede.
Paludo – 09:37:52 – Tem que investigar. E isso que ele sempre diz. Na pior das hipóteses, Podem ir os anéis (filho e mulher), mas ficam os dedos. Seria muito traumático o general assumir no lugar dele.
Viecilli – 10:06:51 –
Dallagnol – 10:22:31 – Rsrsrs
Antonio Carlos Welter – 10:52:11 – O $$ termina na conta da esposa. Vao argumentar que alimentou a campanha. Periga terminar em AIME"


Nos diálogos os procuradores não especulam que Moro poderia proteger Flávio Bolsonaro. A preocupação deles é sobre o comportamento de Bolsonaro, que poderia tomar atitudes para proteger o filho e deixar de apoiar o pacote anticorrupção de Moro. O foco da conversa é o comportamento de Bolsonaro, que poderia levar Moro a sair do Ministério da Justiça. Não há insinuações de que Moro poderia proteger Flávio Bolsonaro. Se há, elas são muito sutis, longe de autorizar a certeza apresentada pela manchete.

A preocupação dos procuradores é que Moro desista de permanecer no Ministério da Justiça ou perca a indicação ao Supremo, devido à uma possível interferência de Bolsonaro. Houvesse, como afirma o site Intercept, um conluio entre Moro, a Lavajato e a "extrema direita", essa preocupação não existiria.

O teor da preocupação dos procuradores fica mais clara no seguinte comentário de Pozzobon: "A questão é quanto ele estará disposto a ficar no cargo com isso ou se mais disso vir"

Ao comentar sobre Moro, Dallagnol afirma: "Moro deve aguardar a apuração e ver quem será implicado. Filho certamente. O problema é: o pai vai deixar? Ou pior, e se o pai estiver implicado, o que pode indicar o rolo dos empréstimos?". É claro, a meu ver, que a preocupação é com a interferência de Bolsonaro, não de Moro.

Por certo os procuradores se preocupam em não entrar em conflito aberto com o governo Bolsonaro, conforme discutido em outros trechos dos diálogos. Mas veja que no próprio dia desses diálogos Pozzobon comentou em seu twitter sobre a necessidade da investigação: 


A preocupação dos procuradores é que a pauta anticorrupção seja aprovada. Provavelmente são favoráveis à nomeação de Moro para o STF, já que isso ajudaria que no STF fosse mantida a frágil maioria favorável às pautas anticorrupção, como a prisão em segunda instância. Estão preocupados em não terem muitas frentes de combate de uma vez:

"Dallagnol: (...) Não podemos ficar quietos, mas é neste momento um pouco como com RD. Vamos depender dele pra reformas… Não sei se vale bater mais forte
Pozzobon –10:07:15 – Pois é
Pozzobon – 10:07:26 – To na msm dúvida"


Veja como os diálogos contradizem a tese geral do Intercept sobre a Lavajato. Se os procuradores fizeram tudo para eleger Bolsonaro, porque desconfiam que ele possa barrar investigações, já não atingiram seus objetivos?

PS 1: a Folha ao reproduzir a reportagem do site Intercept, em matéria não assinada, veja aqui, aparentemente não "comprou" a tese do Intercept, apresentando uma manchete mais neutra ("Deltan receou comentar caso Flávio e questionou reação de Moro, apontam mensagens") e condizente com os diálogos. Em um trecho a reportagem do Uol aponta haver dúvida se o comentário sobre "vamos depender dele para reformas" seria uma referência a Moro ou Bolsonaro. Parece-me claro que é uma referência a Bolsonaro, eles nunca discutem "bater em Moro". E as reformas são as medidas contra a corrupção, que é o tópico da discussão. 

PS 2:  durante os diálogos foram trocadas imagens que, segundo o site Intercept, não foram encontradas, o que prejudica o entendimento do contexto dos diálogos. Por simplicidade omitimos nos diálogos as referências às imagens não encontradas.

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