Recentemente Glenn Greenwald se envolveu em uma polêmica com o jornal "O Estadão" e o site "O Antagonista". Greenwald é um jornalista reconhecido, ganhador do prêmio Pulitzer, juntamente com Laura Poitras, por sua reportagem sobre Edward Snowden e a agência de espionagem americana NSA. Estamos falando de jornalistas e veículos sérios de comunicação, daí o meu interesse em entender a situação e os mal entendidos. Minha conclusão é que há argumentos corretos dos envolvidos mas, infelizmente, nenhum dos lados está com plena razão, faltando o reconhecimento disso.
Em editorial de 29 de maio intitulado "O jogo sujo da desinformação", o jornal "O Estadão" abordou a atuação de jornalistas no exterior que classificam o impeachment de Dilma Rousseff como um "golpe", entre eles um jornalista, não identificado, que fez uma pergunta sobre o "golpe" para o porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos. O editorial menciona a seguir o americano Glenn Greenwald. Leia o editorial completo aqui.
Segundo o jornal, Greenwald publicou uma reportagem na qual "diz que Temer não poderia assumir a Presidência porque está por oito anos impedido de se candidatar a qualquer cargo público". Ainda segundo o editorial "o jornalista tratou como condenação definitiva o que é apenas a opinião da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, a propósito de uma multa de R$ 80 mil imposta a Temer por ter feito doações eleitorais acima do teto".
O editorial termina com a seguinte frase: "É esse o jogo sujo que o Itamaraty terá de enfrentar".
Greenwald passou a rebater o editorial via twitter, afirmando que "O Estadão simplesmente mentiu sobre nossa reportagem porque eles adotaram a aspa inventada pelo O Antagonista" e "É mesmo a mentalidade de um jornal que aplaudiu o golpe e a ditadura militar".
Veja que o próprio Greenwald reconhece que o Estadão baseou sua informação em uma reportagem que ele considera incorreta. Então o Estadão não estaria mentindo, mas teria sido enganado por acreditar em uma citação incorreta.
Vejamos a manchete que gerou a polêmica, do site Intercept, de Greenwald:
Greenwald afirma que Temer, ao contrário de Dilma, está "pessoalmente envolvido em escândalos de corrupção" e que "está por oito anos impedido de se candidatar a qualquer cargo público (inclusive o que acaba de assumir)".
Os textos em azul são citações (links) para as reportagens que serviram de base para as afirmações de Greenwald e sua equipe. O primeiro deles, ironicamente, é uma reportagem do próprio Estadão, o que já é em si uma contradição ao fato de Greenwald desqualificar o jornal. Além disso, a reportagem em questão, de 15 de março, do ótimo repórter Fausto Macedo, traz o anexo 16 da colaboração premiada de Delcídio do Amaral, em que Temer é citado como padrinho (responsável pela indicação) de um diretor da BR Distribuidora. Ora, a simples citação de que Temer indicou o diretor não é suficiente para a conclusão de Greenwald de que Temer está "pessoalmente envolvido em escândalos de corrupção". Além disso, a delação de Delcídio, que vazou em 3 de março, foi muito mais comprometedora para Dilma, já que Delcídio a acusou de obstrução de justiça.
Mais tarde, conforme reportagem de 03 de maio, o PGR Rodrigo Janot conclui não haver indícios que motivassem uma investigação de Temer, o que confirma o entendimento de que a mera citação de Delcídio não era elemento suficiente para motivar uma investigação. No mesmo dia, outra reportagem do Estadão afirma que o PGR havia, por outro lado, decidido que havia elementos suficientes na delação de Delcídio para que fosse aberto um inquérito para investigar Dilma.
A reportagem de Greenwald é de 19 de maio e a entrevista com Dilma é de dois dias antes. Quer dizer, Greenwald e sua equipe já tinham informações suficientes para relativizar a afirmação de que "ao contrário de Dilma, o interino se encontra pessoalmente envolvido em escândalos de corrupção".
Passemos agora à segunda parte da afirmação de Greenwald, que motivou toda a polêmica. Ela se baseia em reportagem de O Globo. De fato, Greenwald não afirma que Temer está impedido de assumir. Ele afirma que Temer não poderia se candidatar ao cargo que está assumindo. O site "O Antagonista" reproduziu de forma imprecisa a afirmação. Eles citaram corretamente o texto de Greenwald na reportagem, mas a manchete ficou errada:
De qualquer modo, "O Estadão" está certo em sua afirmação de que "o jornalista [Greenwald] tratou como condenação definitiva o que é apenas a opinião da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo".
Mais tarde, o Antagonista corrigiu a manchete, mundando-a para "Temer está impedido de se candidatar ao cargo que assumiu". O Antagonista deveria ter dado maior destaque ao fato de ter errado a manchete.
A reportagem de Greenwald, ao afirmar que Temer está pessoalmente envolvido em corrupção e que está impedido de se candidatar por oito anos, faz com que qualquer um menos avisado conclua que as duas coisas estão associadas, o que não é verdade, já que a situação que pode levar Temer a ser impedido por oito anos de ocupar cargos públicos não tem a ver com corrupção, mas sim com uma doação feita acima do limite de 10% da renda anual de Temer (doação foi de R$ 100.000,00 e poderia ser de até R$ 83.992,45).
Temer pode vir a enfrentar problemas em breve com novas delações da Lava Jato e tem outras questões sobre seu passado não esclarecidas. Mas os elementos trazidos por Greenwald em sua reportagem não sustentam suas conclusões.
PS 1:
De fato o Estadão apoiou o golpe em 1964. Mas em 1968 passou a se opor à ditadura e a ser censurado. Eu prefiro avaliar reportagens de hoje pelo contexto atual e não por fatos de 50 anos atrás.
PS 2:
Para citar mais uma repercussão pitoresca da polêmica: alguns blogs que apoiam o PT passaram a reproduzir um artigo, de autoria de Kiko Nogueira, do "Diário do Centro do Mundo", intitulado "Da falência à delação: o Estadão sugere a expulsão de Greenwald por denunciar o golpe". O raciocínio de Kiko Nogueira é sui generis. Como o Itamaraty está sob o comando de José Serra, a última frase do editorial do Estadão seria uma sugestão para que Serra expulsasse Greenwald do Brasil com base nos artigos 65 e 170 do Estatuto do Estrangeiro, promulgado em 1980 por João Figueiredo, durante a ditadura militar. Valha-me Deus!
Em editorial de 29 de maio intitulado "O jogo sujo da desinformação", o jornal "O Estadão" abordou a atuação de jornalistas no exterior que classificam o impeachment de Dilma Rousseff como um "golpe", entre eles um jornalista, não identificado, que fez uma pergunta sobre o "golpe" para o porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos. O editorial menciona a seguir o americano Glenn Greenwald. Leia o editorial completo aqui.
Segundo o jornal, Greenwald publicou uma reportagem na qual "diz que Temer não poderia assumir a Presidência porque está por oito anos impedido de se candidatar a qualquer cargo público". Ainda segundo o editorial "o jornalista tratou como condenação definitiva o que é apenas a opinião da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, a propósito de uma multa de R$ 80 mil imposta a Temer por ter feito doações eleitorais acima do teto".
O editorial termina com a seguinte frase: "É esse o jogo sujo que o Itamaraty terá de enfrentar".
Greenwald passou a rebater o editorial via twitter, afirmando que "O Estadão simplesmente mentiu sobre nossa reportagem porque eles adotaram a aspa inventada pelo O Antagonista" e "É mesmo a mentalidade de um jornal que aplaudiu o golpe e a ditadura militar".
Veja que o próprio Greenwald reconhece que o Estadão baseou sua informação em uma reportagem que ele considera incorreta. Então o Estadão não estaria mentindo, mas teria sido enganado por acreditar em uma citação incorreta.
Vejamos a manchete que gerou a polêmica, do site Intercept, de Greenwald:
Greenwald afirma que Temer, ao contrário de Dilma, está "pessoalmente envolvido em escândalos de corrupção" e que "está por oito anos impedido de se candidatar a qualquer cargo público (inclusive o que acaba de assumir)".
Os textos em azul são citações (links) para as reportagens que serviram de base para as afirmações de Greenwald e sua equipe. O primeiro deles, ironicamente, é uma reportagem do próprio Estadão, o que já é em si uma contradição ao fato de Greenwald desqualificar o jornal. Além disso, a reportagem em questão, de 15 de março, do ótimo repórter Fausto Macedo, traz o anexo 16 da colaboração premiada de Delcídio do Amaral, em que Temer é citado como padrinho (responsável pela indicação) de um diretor da BR Distribuidora. Ora, a simples citação de que Temer indicou o diretor não é suficiente para a conclusão de Greenwald de que Temer está "pessoalmente envolvido em escândalos de corrupção". Além disso, a delação de Delcídio, que vazou em 3 de março, foi muito mais comprometedora para Dilma, já que Delcídio a acusou de obstrução de justiça.
Mais tarde, conforme reportagem de 03 de maio, o PGR Rodrigo Janot conclui não haver indícios que motivassem uma investigação de Temer, o que confirma o entendimento de que a mera citação de Delcídio não era elemento suficiente para motivar uma investigação. No mesmo dia, outra reportagem do Estadão afirma que o PGR havia, por outro lado, decidido que havia elementos suficientes na delação de Delcídio para que fosse aberto um inquérito para investigar Dilma.
A reportagem de Greenwald é de 19 de maio e a entrevista com Dilma é de dois dias antes. Quer dizer, Greenwald e sua equipe já tinham informações suficientes para relativizar a afirmação de que "ao contrário de Dilma, o interino se encontra pessoalmente envolvido em escândalos de corrupção".
Passemos agora à segunda parte da afirmação de Greenwald, que motivou toda a polêmica. Ela se baseia em reportagem de O Globo. De fato, Greenwald não afirma que Temer está impedido de assumir. Ele afirma que Temer não poderia se candidatar ao cargo que está assumindo. O site "O Antagonista" reproduziu de forma imprecisa a afirmação. Eles citaram corretamente o texto de Greenwald na reportagem, mas a manchete ficou errada:
De qualquer modo, "O Estadão" está certo em sua afirmação de que "o jornalista [Greenwald] tratou como condenação definitiva o que é apenas a opinião da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo".
Mais tarde, o Antagonista corrigiu a manchete, mundando-a para "Temer está impedido de se candidatar ao cargo que assumiu". O Antagonista deveria ter dado maior destaque ao fato de ter errado a manchete.
A reportagem de Greenwald, ao afirmar que Temer está pessoalmente envolvido em corrupção e que está impedido de se candidatar por oito anos, faz com que qualquer um menos avisado conclua que as duas coisas estão associadas, o que não é verdade, já que a situação que pode levar Temer a ser impedido por oito anos de ocupar cargos públicos não tem a ver com corrupção, mas sim com uma doação feita acima do limite de 10% da renda anual de Temer (doação foi de R$ 100.000,00 e poderia ser de até R$ 83.992,45).
Temer pode vir a enfrentar problemas em breve com novas delações da Lava Jato e tem outras questões sobre seu passado não esclarecidas. Mas os elementos trazidos por Greenwald em sua reportagem não sustentam suas conclusões.
PS 1:
De fato o Estadão apoiou o golpe em 1964. Mas em 1968 passou a se opor à ditadura e a ser censurado. Eu prefiro avaliar reportagens de hoje pelo contexto atual e não por fatos de 50 anos atrás.
Para citar mais uma repercussão pitoresca da polêmica: alguns blogs que apoiam o PT passaram a reproduzir um artigo, de autoria de Kiko Nogueira, do "Diário do Centro do Mundo", intitulado "Da falência à delação: o Estadão sugere a expulsão de Greenwald por denunciar o golpe". O raciocínio de Kiko Nogueira é sui generis. Como o Itamaraty está sob o comando de José Serra, a última frase do editorial do Estadão seria uma sugestão para que Serra expulsasse Greenwald do Brasil com base nos artigos 65 e 170 do Estatuto do Estrangeiro, promulgado em 1980 por João Figueiredo, durante a ditadura militar. Valha-me Deus!


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