Para entendermos porque a Operação Lavajato conseguiu avançar no combate à corrupção precisamos entender quatro escândalos que a antecederam: a "Operação Satiagraha", o "Caso Banestado", a "Operação Castelo de Areia" e o "Mensalão". As lições aprendidas dos fracassos das três primeiras e do relativo sucesso da última permitiram, graças a outras mudanças legislativas e estruturais, o relativo sucesso que a Lavajato tem atingido, apesar de constantemente ameaçada.
Nesse post discutimos o "O Caso Banestado".
O "Caso Banestado" tem muitas semelhanças com a Lavajato, já que vários de seus personagens são os mesmos: o juiz Sérgio Moro, o doleiro e colaborador Alberto Youssef, as "Forças-Tarefas" no do Paraná do Ministério Público e da Polícia Federal.
A narrativa alardeada pela "mídia alternativa" de esquerda é a de que o "Caso Banestado" foi um fracasso graças à blindagem judicial a Daniel Dantas, ao PSDB e à mídia monopolista (Rede Globo, Veja etc). Por essa narrativa os heróis da investigação foram o procurador da República Celso Tres e os delegados Protógenes Queiroz e José Castilho Neto, sendo que, mais tarde, com o advento do Mensalão e do Petrolão, a narrativa incorporou aos vilões o juiz Sérgio Moro e membros das "Forças Tarefas", que teriam apenas prendido laranjas, deixando de lados os políticos do PSDB e os poderosos da mídia.
Mas, como sempre, a realidade não é tão branca e preta quanto prega essa narrativa. A tese de que Sérgio Moro e a "Força Tarefa" se omitiram não se sustenta. Pelo contrário, foi a atuação do PT, PSDB e STF que contribuiu para a falta de punição dos envolvidos.
Para entender melhor as dificuldades da investigação e julgamento do "Caso Banestado" é necessária uma contextualização que esclareça quais foram os desafios enfrentados e as mudanças estruturais que permitiram, mais tarde, os avanços obtidos pela Lavajato. Para uma cronologia desses fatos, veja aqui.
A investigação e julgamento do Caso Banestado, em primeira instância, se estendeu de 1999 a 2011.
Em 1999 a investigação enfrentava muitas dificuldades para obter informações bancárias do Banco Central. Nesse contexto, o Procurador da República Celso Tres solicitou providências a Sérgio Moro que, em decisão inédita, simplesmente determinou a quebra judicial de TODAS as contas CC-5 [1].
No apagar das luzes do governo FHC, na última semana de 2002, FHC sancionou uma lei que mantinha o "foro privilegiado" para ele e seus ministros mesmo após o fim do seu governo. Com isso, grande parte do PSDB e de seus aliados, que perderiam o foro com a chegada de Lula ao poder, não puderam ser investigados no Caso Banestado pela justiça de primeira instância.
No início dos anos 2000 era predominante a sensação de impunidade dos criminosos, que confiavam em estratégias de anulação das provas e prescrição das penas, além da facilidade de obtenção de habeas corpus que impediam o prolongamento de prisões preventivas. A lei de colaboração premiada existente na época tinha problemas de segurança jurídica e contemplava as colaborações apenas contra o tráfico de drogas. Com isso, havia pouca motivação dos acusados em colaborar com a justiça, não havendo colaborações que implicassem políticos importantes, ao contrário do que aconteceu com a Lavajato, que contou com a colaboração de Paulo Roberto Costa, que provocou um efeito cascata de colaborações.
Em 2003, com o início do governo Lula, pelo discurso do PT, que denunciava a associação entre o "Caso Banestado" e o PSDB, era de se esperar que a investigação tivesse menos dificuldades para prosseguir. Logo foi criada no Congresso a CPI do Banestado e nomeado como relator o deputado José Mentor, do PT, com Antero Paes do PSDB como presidente.
Mas as esperanças de aprofundamento das investigações foram em vão. Após um ano e meio de CPI, Mentor entregou seu relatório deixando de fora todas as grandes empreiteiras que também haviam utilizado as contas CC-5 para remessas de recursos para o exterior: a Odebrecht, 658 milhões de reais, Andrade Gutierrez, 108 milhões, OAS, 51,7 milhões, Queiroz Galvão 27 milhões e Camargo Corrêa, 161 milhões [2].
Lembrando que apenas um mês após a posse de Lula, Renato Duque foi indicado para a diretoria da principal diretoria da Petrobrás, com o compromisso de arrecadar dinheiro dessas mesmas empreiteiras no âmbito do Petrolão [3].
Outro que ficou de fora do relatório da CPI foi o Banco Rural de Minas Gerais, que teve seus dirigentes denunciados posteriormente no Caso Mensalão.
O relatório de José Mentor propôs o indiciamento de apenas três nomes mais expressivos: Gustavo Franco (presidente do Banco Central no governo de FHC), o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o dono das Casas Bahia (maior rede varejista do Brasil), Samuel Klein. O PSDB não concordou com o indiciamento de Gustavo Franco e na luta que se travou o relatório acabou não sendo sequer aprovado.
José Mentor propôs ainda um polêmico projeto que se aprovado daria anistia a todas as pessoas que enviaram ilegalmente recursos para o exterior.
Em 2004 o juiz Sérgio Moro escreveu o famoso artigo "Considerações sobre a Operação Mani Pulite", criticando a lei de blindagem aprovada por FHC e o foro privilegiado, que subordinava a investigação de políticos a órgãos de julgamento mais dependentes de indicações políticas (STJ e STF).
No período do Caso Banestado eram ainda incipientes os acordos de colaboração premiada, que só ganharam segurança jurídica com a Lei 12.850 (Lei das Organizações Criminosas) de 2013, sancionada por Dilma Roussef. Somente em 2012 foi sancionada um lei muito importante para o sucesso da Lavajato : Lei 12.683 ( "Nova Lei de Lavagem de Dinheiro"), que tornou as penas de crimes de lavagem de dinheiro muito mais rigorosas, criando mecanismos para evitar que as penas de lavagem prescrevessem. A criação da lei contou com a colaboração de Sérgio Moro [4]. Sem a nova lei, a maioria dos acusados do "Caso Banestado" não pôde ser condenada por lavagem de dinheiro.
Cerca de 684 pessoas foram denunciadas pelo escândalo do Banestado, sendo 97 condenadas (até 2011). Da parte do juiz Sergio Moro, que na época possuía 31 anos, foram 25 condenações, em apenas 12 meses. [5]
Em outra operação decorrente do Caso Banestado, a Farol da Colina, Moro decretou de uma única vez a prisão de 123 pessoas, tirando de circulação 63 doleiros. Como Yousseff fez um acordo com a Procuradoria e o Ministério Público do Paraná ao ser liberado no caso do Banestado, ele era um dos poucos doleiros livres no país, motivo que o levou a ser chamado para atuar no Petrolão. [5]
Em 2009 veio o golpe fatal para o Caso Banestado: em função de um caso que beneficiou um rico fazendeiro, foi editada a súmula do STF que impossibilitou a prisão de condenados em segunda instância, contribuindo para que anos mais tarde quase a totalidade dos condenados no "Caso Banestado" tivessem suas condenações anuladas por prescrição. Mesmo antes dessa súmula já era difícil a prisão dos condenados antes do trânsito em julgado. Com a súmula isso ficou impossível.
Em 30/03/2009 Moro envia uma carta para um jornalista da Folha de São Paulo mencionando sua decepção com a situação da justiça:
"Quanto aos crimes de colarinho branco, o custo e o desgaste não valem o resultado. Se prende-se, se solta. Se não prende, prescreve pelo tempo entre eventual condenação e início da execução da pena, graças à generosa interpretação da presunção de inocência que condiciona tudo ao trânsito em julgado. Mesmo se não houver prescrição, eventual prisão só em dez anos, em estimativa otimista, após o início da ação penal. Realmente vai ficar para os netos verem o resultado."
Por sua atuação no Caso Banestado, em 2010, Sérgio Moro foi duramente repreendido pelos ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello. Em habeas corpus encaminhado pela defesa de um doleiro condenado por Moro no caso Banestado, Gilmar Mendes, sempre ele, escreveu que juízes que reiteram decreto de prisão após decisão contrária de tribunal praticam um “desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito”, com autoridade “absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional”. “Revelam-se abusivas as reiterações de prisões desconstituídas por instâncias superiores e as medidas excessivas tomadas para sua efetivação, principalmente o monitoramento dos patronos da defesa, sendo passíveis inclusive de sanção administrativa” ... “são inaceitáveis os comportamentos em que se vislumbra resistência ou inconformismo do magistrado, quando contrariado por decisão de instância superior”.
A contribuição da súmula do STF para a prescrição das penas do Caso Banestado aparecem em um despacho de Moro:
"Quase vinte anos desde os crimes. Quase doze anos desde a sentença de primeiro grau. Desde o acórdão no TRF4, em 2008, no qual houve redução das penas, foram interpostos somente recursos de caráter protelatório pelas Defesas, o que levou ao reconhecimento da prescrição para boa parte dos condenados. Aliás, entre 2014 e 2015, só não houve trânsito pela insistência da Defesa em recurso sabidamente inadmissível. A única vitória desde então a prescrição parcial".
Fontes:
[1] Operação banqueiro: As provas secretas do caso Satiagraha", folha 126.
[2] Carta Capital, https://www.cartacapital.com.br/revista/874/a-semente-dos-escandalos-9478.html
[3] Sentença condenatória proferida nos autos nº 5045241- 84.2015.4.04.7000/PR.
[4] Programa Roda Viva, com Onyx Lorenzoni, 21/11/2016.
[5] https://spotniks.com/7-mentiras-que-voce-provavelmente-ja-ouviu-sobre-o-juiz-sergio-moro/

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