domingo, 29 de abril de 2018

Lupa na "Agência Lupa"

Em mais um post da série "Observatório da Imprensa", examinamos uma reportagem da "Agência Lupa" sobre a entrevista de Sérgio Moro ao programa Roda Viva, da Rede Cultura.


A reportagem, veja aqui, procura avaliar afirmações de Moro na entrevista, entre elas uma sobre a publicidade do diálogo de Lula e Dilma. Moro responde que “Aquele conteúdo [de grampos de Dilma com Lula] não dizia respeito à vida privada [do petista]”. 

A "Agência Lupa" classifica a frase de Moro como "Exagerada". Para justificar sua posição, a reportagem destaca áudios que, segundo seu entendimento, não deveriam ter sido divulgados. 

Mas a reportagem tem alguns problemas, que discutimos a seguir.

O principal problema da reportagem está na parte que menciona a conversa de Lula com Edinho Silva sobre o "time de futebol da Ferroviária". Faltou esclarecer que no mesmo áudio é discutido a nomeação do ministro da Justiça Eugênio Aragão. Lula, que não deveria ter influência sobre o governo, já que não era mais presidente ou ocupava cargo no mesmo, pede para que Edinho tome cuidado com tentativas de encurralar o novo ministro para impedir que ele "acabe com os vazamentos da Polícia Federal". A Polícia Federal provavelmente considerou esse áudio relevante por entender que isso indicaria uma ingerência em seus trabalhos e possível obstrução de justiça. 

Veja aqui uma reportagem com o áudio integral, com destaque para o trecho que eu mencionei.

Infelizmente, a Agência Lupa não corrigiu essa falha de informação, mesmo após tentativa de contato pelo e-mail da agência. Assim, usando os próprios critérios da "Agência Lupa", sou obrigado a classificar esse ponto da reportagem como:


A reportagem em seu início afirma: "ainda que o famoso telefonema entre Dilma e Lula não tenha sido, de fato, uma conversa pessoal, ele foi divulgado em meio a um conjunto de outros grampos que incluíam assuntos pessoais e opiniões particulares tanto de Lula quanto de terceiros.".

Em seguida cita como exemplo de divulgação de assunto pessoal o áudio de Vavá, sendo que a própria reportagem ressalta que há um "único fato relevante destacado pelos investigadores".

Essa frase parece indicar que a Agência ignora que áudios de interceptações judiciais devem ser incluídos nos autos do processo em sua INTEGRALIDADE se tiverem pelo menos uma informação relevante para o processo, mesmo que essa informação apareça em meio a outros diálogos em que sejam discutidos assuntos pessoais. Isso é necessário porque não há previsão legal para inclusão de apenas "parte de um áudio", justamente para evitar manipulações, já que o contexto pode fazer toda a diferença.

Se a Agência não ignora esse fato, falhou então em deixar claro para seus leitores que há previsão legal para a inclusão no processo de áudios que contenham assuntos pessoais se eles aparecem em meio a assuntos pertinentes à investigação.

Sobre o áudio de Eduardo Paes, Sérgio Moro em despacho para Teori Zavascki (OFÍCIO Nº 700001743752, processo Nº 5006205-98.2016.4.04.7000/PR) explica a possível razão da PF ter  incluído o  áudio nos autos do processo: 

“O diálogo seguinte [...] é relevante [...] por conter trecho no qual o Prefeito refere-se ao sítio de Atibaia como sendo de propriedade do ex-Presidente, o que é um dos objetos das investigações que tramitavam perante este Juízo. Transcrevo:

'EDUARDO PAES: (Ininteligível) ...meu carinho aí, "tamo junto". Minha solidariedade, vamos em frente nessa história. Agora, da próxima vez o senhor me para com essa vida de pobre, com essa tua alma de pobre comprando “esses barco de (...)”, "sitiozinho vagabundo", (...)

Luiz: (Risadas)

EDUARDO PAES: O senhor é uma alma de pobre. Eu, todo mundo que fala aqui no meio, eu falo o seguinte: imagina se fosse aqui no Rio esse sítio dele, não é em Petrópolis, não é em Itaipava. É como se fosse em
Maricá. É uma (...) de lugar (...)!

Luiz: : (Risos)'"


É claro que o diálogo é uma piada de Eduardo Paes. Mas Lula não retruca o fato do prefeito lhe atribuir a propriedade do sítio. Apesar de eu particularmente concordar que o diálogo não parece ser relevante, é defensável a posição da Polícia Federal em pecar por excesso, adicionando o áudio ao inquérito, ao invés de simplesmente ignorá-lo.

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