domingo, 11 de novembro de 2018

O déficit da Previdência Social é real?

De tempos em tempo alguém me questiona se é verdade que há um déficit da Previdência. A dúvida em geral está associada aos números divulgados pela Anfip, uma associação de auditores fiscais da Receita Federal. 

A seguir, discutimos com mais profundidade esses argumentos.

O vídeo a seguir resume os argumentos principais da Anfip:


Os mesmos argumentos são discutidos a seguir pela ex-auditora da Receita, Maria Lúcia Fatorelli:


Seriam os argumentos válidos? Veja a discussão a seguir.

1) no Brasil a Previdência faz parte da Seguridade Social, que também inclui a Assistência Social e a Saúde Pública;

2) tipicamente no mundo sistemas previdenciários precisam se financiar por si próprio;

3) a CF de 1988 estabeleceu diversas fontes de financiamento da Seguridade Social. Uma das principais fontes são as contribuições sociais (CSLL e COFINS), que oneram as empresas, que repassam o custo para toda a população;

4) o sistema previdenciário da União pode ser dividido em 4 grupos: setor privado, público civil, público militar e rural. Os dois últimos praticamente não arrecadam, quer dizer, não são de fato sistemas previdenciários, conforme já discutido aqui.

5) a CF de 1988 ao listar as fontes não previdenciárias de financiamento da seguridade social não indica que elas só podem ser utilizadas para financiar a saúde e a assistência social;

6) visto a Previdência Rural ser deficitária por natureza, é razoável supor que "o Constituinte" criou esse mecanismo de financiamento não previdenciário para financiar a Previdência Rural. Talvez o mesmo se dê para a Previdência Militar;

7) Contudo, isso não é tão claro para a Previdência dos Servidores Civis. Essa previdência não era deficitária, mas passou a sê-lo ao longos dos anos. Não é assim tão claro que em 1988 "o Constituinte" tenha tido de fato a intenção de que contribuições suportadas por toda a sociedade deveriam também financiar essa previdência. Ao financiá-la, os  recursos deixam de ser aplicados na Saúde e na Assistência Social;

8) a DRU foi criada através de Emenda Constitucional em um momento em que as fontes de financiamento do déficit previdenciário eram suficientes. Ela tira da União a obrigação de destinar de 20 a 30% (o percentual variou com o tempo) das receitas vinculadas para  os destinos estipulados pela CF. Isso permitiria o governo utilizar recursos sobrando em alguma área em outra área. A DRU não foi criada pelo "Constituinte". Mas foi aprovada segundo as regras estipuladas pelo "Constituinte". Não dá para se afirmar que a DRU não tem legitimidade. 

9) A Anfip, dentre outros, argumenta que esses recursos desvinculados seriam suficientes para cobrir o déficit da previdência. Que nem haveria déficit porque utilizar as fontes de financiamento previstos na CF para financiar previdências deficitárias seria algo legítimo;

10) eu particularmente acho que pode-se falar de déficit financiado, mas não dá para falar que não há déficit;

11) além disso, o argumento de que a DRU daria conta do recado não se sustenta, pelo menos não mais. Não é verdade para o período de 2015, abordado no vídeo. Também não se sustenta o argumento de que os recursos da DRU em 2015 foram utilizados para pagar os juros da dívida, como veremos a seguir.

12) A Anfip não leva em conta em seus números o déficit da previdência dos servidores civis. Como essa conta tem um déficit enorme (45 bilhões em 2017), retirá-lo da conta faz os números da Anfip não refletirem a realidade. Além disso, qual o argumento para se retirar essa parte dos números da conta?

13) A trajetória do aumento das despesas da Previdência, mesmo segundo os próprios número da Anfip, é claramente insustentável: eles mostram uma piora entre 2014 e 2015 no saldo da Segurida Social de cerca de 40 bilhões de reais, projetando um déficit em 2016, já que o superávit em 2015 seria apenas de 15 bilhões de reais. Daí não haver um vídeo similar para os anos de 2016 e 2017.

14) desde 2013 (considerando-se as pedaladas fiscais)  temos um déficit primário, sendo que a previdência é o maior gasto do governo. Esse fato indica que os recursos desvinculados pela DRU acabam voltando para financiar a própria Previdência, seja via impostos, seja via empréstimos. E que a DRU não está sendo utilizada para pagar os juros da dívida. Para entender melhor, veja aqui.

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