A "Lei de Ferro das Oligarquias", já abordada aqui, é mencionada no livro "Por Que As Nações Fracassam?" para ilustrar um fato recorrente na história, a substituição de uma tirania por outra, que acaba por reproduzir exatamente os mesmos procedimentos e valores que criticavam no regime anterior.
Os trechos a seguir ilustram esse fato para o regime da Etiópia, por ocasião da troca da dinastia de Hailé Selassié pela ditadura do major Mengistu.
Os trechos a seguir ilustram esse fato para o regime da Etiópia, por ocasião da troca da dinastia de Hailé Selassié pela ditadura do major Mengistu.
"A história é repleta de exemplos de revoluções e movimentos radicais que substituíram uma tirania por outra, em um padrão que o sociólogo alemão Robert Michels alcunhou de 'lei de ferro da oligarquia', uma forma particularmente perniciosa de círculo vicioso.
A dinastia salomônica na Etiópia perdurou até ser derrubada por um golpe militar, em 1974, liderado pelo Derg, um grupo de oficiais militares marxistas. O regime destronado era um anacronismo histórico, que parecia congelado em algum século anterior.
Inicialmente, o Derg era composto por 108 representantes de diferentes unidades militares de todo o país. O representante da Terceira Divisão, da província de Harar, era um major chamado Mengistu Hailé Mariam. Embora, em sua declaração inicial de 4 de julho de 1974, os oficiais do Derg tenham reafirmado sua lealdade ao imperador, logo começaram a prender membros do governo, a fim de testar o quanto de oposição encontrariam. Tendo ganhado mais confiança com relação ao esvaziamento do apoio ao regime de Selassié, investiram contra o próprio, prendendo-o em 12 de setembro. Então, começaram as execuções. Muitos políticos do núcleo do antigo regime foram prontamente mortos. Em dezembro, o Derg declarou que a Etiópia era um Estado socialista. Selassié morreu, provavelmente assassinado, em 27 de agosto de 1975. Nesse mesmo ano, o Derg começou a nacionalizar as propriedades, inclusive todas as terras urbanas e rurais e a maior parte das propriedades privadas.
O próprio Derg começou a desintegrar-se e fragmentar-se em facções. O Major Mengistu revelou-se o mais atroz e inteligente deles. Em meados de 1977, havia eliminado seus principais adversários e praticamente assumira o controle do governo, que só se salvou do colapso graças a um considerável influxo de armas e tropas da União Soviética e Cuba, em novembro daquele ano.
Em 1978, o regime organizou uma celebração nacional para assinalar o quarto aniversário do destronamento de Hailé Selassié. A essa altura, Mengistu era o líder inequívoco do Derg.
Um de seus ministros, Dawit Wolde Giorgis, registra em suas memórias:
No começo da revolução, todos havíamos rejeitado fervorosamente tudo o que guardasse qualquer relação com o passado. Recusávamo-nos a dirigir automóveis ou usar ternos e considerávamos criminosas as gravatas. Tudo o que nos conferisse um aspecto abastado ou burguês, tudo que tivesse laivos de opulência ou sofisticação era desprezado como parte da velha ordem. Todavia, por volta de 1978, isso começou a mudar. Pouco a pouco, o materialismo passou a ser não só aceito, mas necessário. Trajes assinados pelos melhores alfaiates europeus tornaram-se os uniformes de todos os mais altos funcionários do governo e membros do Conselho Militar. Tínhamos o melhor de tudo: as melhores moradias, os melhores carros, o melhor uísque, champanhe, comida. Uma total inversão dos ideais da revolução.
Giorgis recorda também vividamente como Mengistu mudou após transformar-se no único governante:
'Mengistu revelou sua verdadeira face: vingativo, cruel e autoritário [...]. Muitos de nós, que conversávamos com ele de igual para igual, com as mãos nos bolsos, começamos a nos pegar em posição de sentido, adotando uma atitude cautelosamente respeitosa em sua presença. Ao dirigirmo-nos à sua pessoa, sempre havíamos usado a forma familiar 'você', ante; agora, preferíamos o mais formal 'senhor', ersiwo. Ele se mudou para uma sala maior e mais suntuosa no Palácio de Menelik [...]. Começou a usar os automóveis do imperador [...]. Onde originalmente se supunha que houvesse
uma revolução de igualdade, ele agora se tinha convertido no novo imperador.'"
Difícil não associar o trecho acima ao famoso trecho final da "Revolução dos Bichos", de George Orwel:
"Doze vozes gritavam, cheias de ódio, e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco.“
Difícil não associar o trecho acima ao famoso trecho final da "Revolução dos Bichos", de George Orwel:
"Doze vozes gritavam, cheias de ódio, e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco.“
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