O texto do UOL não traz os diálogos completos, recomenda-se lê-los ao final da reportagem do Intercept, antes de formar qualquer juízo.
Vamos nos concentrar nesse post nas conclusões das duas reportagens sobre o comportamento dos procuradores.
A interpretação do Intercept sobre o fingimento na investigação sobre FHC se baseia numa especulação de Dallagnol da razão dos procuradores de Brasília, subordinados a Janot, terem encaminhado para os procurados de São Paulo uma investigação de um caso já prescrito. A ideia de que o motivo seria dar uma ideia de imparcialidade é apenas uma especulação de Dallagnol e o site Intercept não tem a conversa interna dos procuradores de Brasília subordinados a Janot para tirar conclusões. O próprio Dallagnol diz "suponho" e "talvez". Uma especulação gerada em 35 segundos após responder que obter a informação de outros procuradores que a prescrição não foi analisada previamente. Veja a sequência de diálogos:
Moro – 09:07:39 – Tem alguma coisa mesmo seria do FHC? O que vi na TV pareceu muito fraco?
Moro – 09:08:18 – Caixa 2 de 96?
Dallagnol – 10:50:42 – Em pp sim, o que tem é mto fraco
Moro – 11:35:19 – Não estaria mais do que prescrito?
Dallagnol – 13:26:42 – Foi enviado pra SP sem se analisar prescrição
Dallagnol – 13:27:27 – Suponho que de propósito. Talvez para passar recado de imparcialidade
Moro – 13:52:51 – Ah, não sei. Acho questionável pois melindra alguém cujo apoio é importante
Em 2015, parece-me que Janot, ao elaborar sua famosa lista de investigados a partir da delação da Odebrecht, adotou o critério de não examinar a priori a prescrição dos casos. Tanto que vários políticos presentes na lista (entre eles, José Agripino Maia, Marta Suplicy, Garibaldi Alves, Jarbas Vasconcelos e Roberto Freire) tiveram a prescrição de seus casos reconhecida somente mais tarde, veja aqui. O ideal seria não ter aberto a investigação de casos prescritos, mas talvez Janot tenha preferido não assumir sozinho o ônus de fazê-lo. Temos que lembrar que Janot sofria uma grande pressão para acelerar os trabalhos. Além disso, há uma explicação bem razoável para não se analisar a prescrição a priori, como expomos a seguir.
Uma possível explicação para a decisão de Janot é o fato de que crimes de caixa 2 estariam prescritos, mas de corrupção e lavagem de dinheiro não. A fronteira entre as duas situações é tênue. No primeiro caso, os pagamentos ("doação") teriam sido recebidos sem nada em troca e gastos na eleição. No segundo caso, em troca de algo e, pelo menos em parte, embolsados pelo político ou gasto em coisas pessoais. A bem da verdade, pessoalmente acho difícil acreditar em caixa 2 puro, sem nada em troca.. Mas se não é possível se provar que houve um "quid pro quo"(algo em troca), um promotor deve assumir a hipótese mais benéfica do caixa 2. Assim, a decisão de Janot pode ter se baseado no seguinte raciocínio: apesar dos delatores dizerem que o pagamento foi de caixa 2, sem nada em troca, vamos investigar para ver se não há indícios de algo mais. Por fim, pode ainda ter preferido deixar a decisão para os procuradores competentes (quer dizer, com jurisdição) para analisar o caso.
Portanto, acho muito difícil concluir que isso é "fingir investigar". Essa hipótese, como já dito, foi apenas uma especulação de Dallagnol dita em um chat privado, com pouca reflexão.
O caso de FHC parece ser um desdobramento um pouco mais tardio da lista de Janot. Faz sentido que os procuradores de Brasília encaminhem o procedimento para os procuradores de São Paulo sem analisar a prescrição ("não analisamos prescrição"), mesmo porque não era um caso deles e é sempre chato para um investigador assumir a prescrição de um caso que nem é de sua competência.
Moro – 09:07:39 – Tem alguma coisa mesmo seria do FHC? O que vi na TV pareceu muito fraco?
Moro – 09:08:18 – Caixa 2 de 96?
Dallagnol – 10:50:42 – Em pp sim, o que tem é mto fraco
Moro – 11:35:19 – Não estaria mais do que prescrito?
Dallagnol – 13:26:42 – Foi enviado pra SP sem se analisar prescrição
Dallagnol – 13:27:27 – Suponho que de propósito. Talvez para passar recado de imparcialidade
Moro – 13:52:51 – Ah, não sei. Acho questionável pois melindra alguém cujo apoio é importante
Em 2015, parece-me que Janot, ao elaborar sua famosa lista de investigados a partir da delação da Odebrecht, adotou o critério de não examinar a priori a prescrição dos casos. Tanto que vários políticos presentes na lista (entre eles, José Agripino Maia, Marta Suplicy, Garibaldi Alves, Jarbas Vasconcelos e Roberto Freire) tiveram a prescrição de seus casos reconhecida somente mais tarde, veja aqui. O ideal seria não ter aberto a investigação de casos prescritos, mas talvez Janot tenha preferido não assumir sozinho o ônus de fazê-lo. Temos que lembrar que Janot sofria uma grande pressão para acelerar os trabalhos. Além disso, há uma explicação bem razoável para não se analisar a prescrição a priori, como expomos a seguir.
Uma possível explicação para a decisão de Janot é o fato de que crimes de caixa 2 estariam prescritos, mas de corrupção e lavagem de dinheiro não. A fronteira entre as duas situações é tênue. No primeiro caso, os pagamentos ("doação") teriam sido recebidos sem nada em troca e gastos na eleição. No segundo caso, em troca de algo e, pelo menos em parte, embolsados pelo político ou gasto em coisas pessoais. A bem da verdade, pessoalmente acho difícil acreditar em caixa 2 puro, sem nada em troca.. Mas se não é possível se provar que houve um "quid pro quo"(algo em troca), um promotor deve assumir a hipótese mais benéfica do caixa 2. Assim, a decisão de Janot pode ter se baseado no seguinte raciocínio: apesar dos delatores dizerem que o pagamento foi de caixa 2, sem nada em troca, vamos investigar para ver se não há indícios de algo mais. Por fim, pode ainda ter preferido deixar a decisão para os procuradores competentes (quer dizer, com jurisdição) para analisar o caso.
Portanto, acho muito difícil concluir que isso é "fingir investigar". Essa hipótese, como já dito, foi apenas uma especulação de Dallagnol dita em um chat privado, com pouca reflexão.
O caso de FHC parece ser um desdobramento um pouco mais tardio da lista de Janot. Faz sentido que os procuradores de Brasília encaminhem o procedimento para os procuradores de São Paulo sem analisar a prescrição ("não analisamos prescrição"), mesmo porque não era um caso deles e é sempre chato para um investigador assumir a prescrição de um caso que nem é de sua competência.
A seguir discutimos a outra hipótese dos textos, a ideia de que não se investigou FHC para evitar favorecer Lula.
Os diálogos mostram rápida troca de ideias entre várias procuradores, não sendo possível dizer qual a "opinião do MPF". São múltiplas pessoas, com diversos pontos de vista. É fácil perceber a animação dos procuradores com a possibilidade de investigar FHC, para demonstrar imparcialidade. Veja alguns trechos:
Os diálogos mostram rápida troca de ideias entre várias procuradores, não sendo possível dizer qual a "opinião do MPF". São múltiplas pessoas, com diversos pontos de vista. É fácil perceber a animação dos procuradores com a possibilidade de investigar FHC, para demonstrar imparcialidade. Veja alguns trechos:
Sobre FHC:
Paulo Galvão – 20:35:08 – porra bomba isso
Roberson – 20:35:20 – MPF Pois é!!!
Roberson – 20:35:39 – O que acha da ideia do PIC?
Roberson – 20:35:47 – Vai ser massa!
Paulo Galvão – 20:35:51 – Acho excelente sim Robinho
Roberson – 20:36:47 – Legal! Se os demais tb estiverem de acordo, faço a portaria amanha cedo
Roberson – 20:38:08 – Acho que vale até uma BA na Secretaria da iFHC que mandou o email. Ela é secretária da Presidencia!
Laura Tessler – 20:38:36 – Sensacional esse email!!!!
Roberson – 20:38:48 – Mais, talvez pudessemos cumprir BA nos três concomitantemente: LILS, Instituto Lula e iFHC
Sobre o filho de FHC:
Dallagnol – 09:56:20 – Creio que vale apurar com o argumento de que pode ter recebido benefícios mais recentemente, inclusive com outros contratos … Dará mais argumentos pela imparcialidade… Esses termos já chegaram, Paulo? Esse já tem grupo?
Dallagnol – 10:24:20 – Algum grupo se voluntaria? Eu acho o caso bacanissimo, pelo valor histórico. E recebendo naquela época pode ter lavagem mais recente pela conversão de ativos ou outro método como compra subfaturada de imóvel o que é mto comum…. Seria algo para analisar
Paulo Galvão – 11:42:39 – Mas vejo que, sobre o filho do FHC, é um termo que ficou no STF por conta do Delcídio e teria vindo para cá por cópia. É o mesmo termo que trata da GE, lembrando que a GE protocolou petição querendo colaborar e está fazendo investigação interna
Dallagnol – 12:04:38 – se veio pra cá, é nosso
Dallagnol – 12:04:40 – se veio pra cá com cópia, é nosso
Dallagnol – 12:04:46 – se pensaram em mandar pra cá, é nosso tb
Paulo Galvão – 20:35:08 – porra bomba isso
Roberson – 20:35:20 – MPF Pois é!!!
Roberson – 20:35:39 – O que acha da ideia do PIC?
Roberson – 20:35:47 – Vai ser massa!
Paulo Galvão – 20:35:51 – Acho excelente sim Robinho
Roberson – 20:36:47 – Legal! Se os demais tb estiverem de acordo, faço a portaria amanha cedo
Roberson – 20:38:08 – Acho que vale até uma BA na Secretaria da iFHC que mandou o email. Ela é secretária da Presidencia!
Laura Tessler – 20:38:36 – Sensacional esse email!!!!
Roberson – 20:38:48 – Mais, talvez pudessemos cumprir BA nos três concomitantemente: LILS, Instituto Lula e iFHC
Sobre o filho de FHC:
Dallagnol – 09:56:20 – Creio que vale apurar com o argumento de que pode ter recebido benefícios mais recentemente, inclusive com outros contratos … Dará mais argumentos pela imparcialidade… Esses termos já chegaram, Paulo? Esse já tem grupo?
Dallagnol – 10:24:20 – Algum grupo se voluntaria? Eu acho o caso bacanissimo, pelo valor histórico. E recebendo naquela época pode ter lavagem mais recente pela conversão de ativos ou outro método como compra subfaturada de imóvel o que é mto comum…. Seria algo para analisar
Paulo Galvão – 11:42:39 – Mas vejo que, sobre o filho do FHC, é um termo que ficou no STF por conta do Delcídio e teria vindo para cá por cópia. É o mesmo termo que trata da GE, lembrando que a GE protocolou petição querendo colaborar e está fazendo investigação interna
Dallagnol – 12:04:38 – se veio pra cá, é nosso
Dallagnol – 12:04:40 – se veio pra cá com cópia, é nosso
Dallagnol – 12:04:46 – se pensaram em mandar pra cá, é nosso tb
Os diálogos como um todo discutem a proposta de um dos procuradores de investigar ambos, Lula e FHC, ao mesmo tempo, para demonstrar imparcialidade. Mas trata-se apenas de uma hipótese levantada por um dos procuradores, descartada por falta de viabilidade. É para isso que serve um grupo de discussão, discutir ideias, algumas delas vingam, outras não.
A ideia não vinga porque as provas contra FHC não são tão fortes já que ele está há muitos anos afastado do poder, sendo difícil descobrir uma contrapartida. Um crime para ser corrupção no Brasil precisa de dois elementos: ter o envolvimento de uma pessoa ocupando um cargo público (ou na eminência de ocupá-lo) e uma promessa de contrapartida em função do cargo. No caso do FHC, que já tem hoje 88 anos e não concorre a cargos públicos desde 1998, seriam necessários elementos muito fortes para uma investigação de corrupção. É essa a razão que leva aos ponderamentos durante a discussão sobre as dificuldades de se investigar o Instituto FHC no mesmo procedimento de investigação do Instituto Lula. No caso de FHC parece ter havido crime tributário. No caso de Lula corrupção. Quer dizer, o fator preponderante da decisão de não investigar os dois institutos ao mesmo tempo foi a diferença dos casos e das provas existentes. E é claro que, do ponto de vista do interesse público, investigar um político "na ativa" é mais prioritário do que investigar um político afastado de cargos públicos a quase 20 anos.
Além disso, aparentemente a investigação sobre o Instituto FHC acabou acontecendo, mas o processo acabou sendo extinto por prescrição, veja aqui. E, provavelmente, deve estar em andamento uma investigação sobre o caso do filho de FHC, decorrente da delação de Cerveró, também discutida no grupo.
A eterna alegação de proteção ao PSDB pela Lavajato não se sustenta. Tanto que algum tempo mais tarde outras investigações atingiram o PSDB. A Lavajato investigou e grampeou Aécio Neves, prendeu Beto Richa e Paulo Preto, esse último inclusive já condenado em outro caso a mais de 100 anos de prisão. As carreiras políticas de Alckmin, Aécio e Beto Richa sofreram abalos enormes, sendo que o último foi inclusive preso mais de uma vez.
A ideia não vinga porque as provas contra FHC não são tão fortes já que ele está há muitos anos afastado do poder, sendo difícil descobrir uma contrapartida. Um crime para ser corrupção no Brasil precisa de dois elementos: ter o envolvimento de uma pessoa ocupando um cargo público (ou na eminência de ocupá-lo) e uma promessa de contrapartida em função do cargo. No caso do FHC, que já tem hoje 88 anos e não concorre a cargos públicos desde 1998, seriam necessários elementos muito fortes para uma investigação de corrupção. É essa a razão que leva aos ponderamentos durante a discussão sobre as dificuldades de se investigar o Instituto FHC no mesmo procedimento de investigação do Instituto Lula. No caso de FHC parece ter havido crime tributário. No caso de Lula corrupção. Quer dizer, o fator preponderante da decisão de não investigar os dois institutos ao mesmo tempo foi a diferença dos casos e das provas existentes. E é claro que, do ponto de vista do interesse público, investigar um político "na ativa" é mais prioritário do que investigar um político afastado de cargos públicos a quase 20 anos.
Além disso, aparentemente a investigação sobre o Instituto FHC acabou acontecendo, mas o processo acabou sendo extinto por prescrição, veja aqui. E, provavelmente, deve estar em andamento uma investigação sobre o caso do filho de FHC, decorrente da delação de Cerveró, também discutida no grupo.
A eterna alegação de proteção ao PSDB pela Lavajato não se sustenta. Tanto que algum tempo mais tarde outras investigações atingiram o PSDB. A Lavajato investigou e grampeou Aécio Neves, prendeu Beto Richa e Paulo Preto, esse último inclusive já condenado em outro caso a mais de 100 anos de prisão. As carreiras políticas de Alckmin, Aécio e Beto Richa sofreram abalos enormes, sendo que o último foi inclusive preso mais de uma vez.
Não me parece, portanto, se sustentar a interpretação do Uol e do Intercept, muito centradas na vontade de subordinar todas as investigações da Lavajato ao desejo de prender Lula. Como já foi dito por um repórter, uma simulação tão boa que prendeu um sem número de políticos e empresários, de diversos países, só para disfarçar a verdadeira intenção de prender Lula.
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