Essa polêmica veio a tona graças aos diálogos vazados da Lavajato. Eles demonstrariam que Sérgio Moro teria "aconselhado" o Ministério Público (MP), o que demonstraria um suposto conluio com o MP ou perda da imparcialidade.
O artigo 254, IV do Código de Processo Penal (CPP) diz "o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes" ... "se tiver aconselhado qualquer das partes”.
Então, se de fato um juiz aconselhou o MP, ele é suspeito e fim de papo, certo?
Não é bem assim...
Na verdade há bastante divergência entre os juristas sobre essa questão. A partir das diversas doutrinas sobre o papel do juiz e do MP no processo penal, são possíveis até oito modos de se entender como deve ser aplicado o artigo 254, IV.
Antes de adentrar a questão dos papéis do juiz e do MP, o primeiro ponto controverso sobre esse inciso do artigo 254 é o que exatamente significa "aconselhar" em termos jurídicos. É claro que o artigo refere-se a "aconselhamento jurídico" e não a qualquer tipo de conselho. Na prática "aconselhar" tem sido entendido pela jurisprudência como ter "advogado" para uma das partes. Isso porque ter advogado para uma das partes é uma situação bem objetiva, que pode ser verificado no momento em que o juiz é designado para um caso, sendo que "aconselhar" não é.
Antes de adentrar a questão dos papéis do juiz e do MP, o primeiro ponto controverso sobre esse inciso do artigo 254 é o que exatamente significa "aconselhar" em termos jurídicos. É claro que o artigo refere-se a "aconselhamento jurídico" e não a qualquer tipo de conselho. Na prática "aconselhar" tem sido entendido pela jurisprudência como ter "advogado" para uma das partes. Isso porque ter advogado para uma das partes é uma situação bem objetiva, que pode ser verificado no momento em que o juiz é designado para um caso, sendo que "aconselhar" não é.
Mas de fato é possível interpretar "aconselhar" em um sentido mais amplo, o de dar "conselhos legais" para uma das partes durante o caso sendo julgado. Nesse caso teríamos a situação meio estranho de um juiz começar um caso e no meio dele "aconselhar" uma das partes e, então, se declarar impedido.
Mas como diferenciar "aconselhar" de "esclarecer", de "informar", de "opinar" etc.? Caímos no terreno da subjetividade.
Mas como diferenciar "aconselhar" de "esclarecer", de "informar", de "opinar" etc.? Caímos no terreno da subjetividade.
Além do que seria "aconselhar", há também uma grande divergência dos juristas sobre a aplicabilidade do artigo 254, IV ao MP. Por exemplo, parte dos juristas entendem que o inciso não se aplica ao MP, por ele ser não ser parte de fato no processo penal. Outros juristas entendem que o juiz pode (e deve) aconselhar o MP na fase de instrução do processo, nas questões investigativas e processuais, não devendo fazê-lo na fase de julgamento, nas questões materiais (de mérito).
Além da questão da aplicabilidade ao MP, há juristas que entendem que o juiz deve ser ativo no processo penal, buscando a verdade, sendo então permitido a ele conversar com as partes e até aconselhá-las se o objetivo for buscar a verdade, quer dizer, esclarecer os fatos. É o chamado"princípio da verdade real". Um juiz ao ficar inerte não garantiria sua imparcialidade, posto que ao fazê-lo também acaba inevitavelmente favorecendo uma das partes ("melhor pecar por ação do que por inação"). Para entender melhor essa questão, coloque-se no papel de um juiz e responda o teste proposto aqui (e, de quebra, leia mais sobre o "princípio da verdade real").
Além da questão da aplicabilidade ao MP, há juristas que entendem que o juiz deve ser ativo no processo penal, buscando a verdade, sendo então permitido a ele conversar com as partes e até aconselhá-las se o objetivo for buscar a verdade, quer dizer, esclarecer os fatos. É o chamado"princípio da verdade real". Um juiz ao ficar inerte não garantiria sua imparcialidade, posto que ao fazê-lo também acaba inevitavelmente favorecendo uma das partes ("melhor pecar por ação do que por inação"). Para entender melhor essa questão, coloque-se no papel de um juiz e responda o teste proposto aqui (e, de quebra, leia mais sobre o "princípio da verdade real").
Concluindo, há diferentes modos de se interpretar o artigo 254, IV porque há quatro entendimentos doutrinários sobre o papel do MP no processo penal (parte material e formal, parte imparcial, parte instrumental e há ainda quem sequer o reconheça como parte) e pelo menos dois entendimentos sobre o papel do juiz (passivo ou buscador da verdade). Daí termos oito modos de se interpretar o artigo, decorrente da combinação dos quatro possíveis papéis do MP e dos dois do juiz.
Para se aprofundar, veja a seguir bons artigos sobre o papel do juiz e do MP no processo penal e a questão da parcialidade, a partir da visão de doutrinadores, advogados criminalistas e juízes:
1) Veja aqui (na seção 2.2.3.1) a posição dos doutrinadores sobre os quatro papéis do MP no processo penal.
Para se aprofundar, veja a seguir bons artigos sobre o papel do juiz e do MP no processo penal e a questão da parcialidade, a partir da visão de doutrinadores, advogados criminalistas e juízes:
1) Veja aqui (na seção 2.2.3.1) a posição dos doutrinadores sobre os quatro papéis do MP no processo penal.
2) Veja aqui a posição de um advogado criminalista, que menciona o entendimento de vários juristas.
Em geral advogados criminalistas entendem que o MP é parte no processo penal e não é imparcial. Por essa visão, ao MP se aplica o artigo 254, IV. O texto do autor termina assim "Apesar disso tudo, salvo exceções de destaque [12] a doutrina segue calada presenciando o sepultamento do processo penal constitucional", o que parece indicar que sua posição de advogado criminalista não é majoritária no mundo jurídico.
3) veja aqui a posição de um juiz, favorável ao "princípio da verdade real".
Juízes divergem bastante sobre a questão: os que acreditam em uma postura mais ativa do juiz na busca da verdade têm uma visão mais aberta sobre a possibilidade do juiz conversar com as partes.
A procura de verdade é um ideal em geral defendido pelos juízes ideologicamente de esquerda, por exemplo, os membros da AJD (Associação dos Juízes pela Democracia). Contudo, como os juízes dessa associação são críticos a Sérgio Moro, nesse hora a tal de "procura da verdade" é deixada em segundo plano.
O jurista estrangeiro é um professor de Harvard, que tem um blog ("The Global Anticorruption Blog") sobre corrupção global. É interessante porque ele está fazendo o mesmo que nós: tentando entender a confusa legislação brasileira. E como ele é estrangeiro, está menos apaixonado pelas questões políticas envolvida, procurando esclarecer os diversos pontos de vista.
Também na seção de leitores do blog tem vários pontos de vista interessante (fora os muito ideológicos). E o americano responde aos comentários, ilustrando melhor as dúvidas dele.
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