Estamos discutindo, ver aqui, a mudança em 2016 da jurisprudência do STF sobre a prisão após a condenação em segunda instância.
A retomada pelo STF da jurisprudência que permite a prisão após a condenação precisou resolver um impasse com relação ao artigo 283 do CPP, que foi revisado devido a antiga jurisprudência do STF de 2009 que proibiu a prisão até o trânsito em julgado.
A retomada pelo STF da jurisprudência que permite a prisão após a condenação precisou resolver um impasse com relação ao artigo 283 do CPP, que foi revisado devido a antiga jurisprudência do STF de 2009 que proibiu a prisão até o trânsito em julgado.
Esse é um ponto mais espinhoso que precisa ser melhor discutido. Então respire fundo que a discussão é mais alongada...
O CPP vigente é de 1941 sendo, portanto, anterior à CF de 1988. Isso faz com que parte do CPP possa ser incoerente com a CF, caso em que prevalece a CF. Infelizmente o processo de se determinar o que é inconstitucional e como interpretar o CPP de modo coerente com a CF vai tomar anos e ainda é uma obra inacabada.
O CPP vigente quando da promulgação da CF de 1988 dizia sobre a prisão:
Art. 282. À exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão em virtude de pronúncia ou nos casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da autoridade competente.
A Constituição de 1988 diz sobre a prisão:
Art. 5º., LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
Portanto, ambos os textos afirmam que a prisão pode acontecer por ordem de juiz, não sendo necessário o trânsito em julgado (impossibilidade de recorrer). A diferença é que a CF diz que a ordem precisa ser “fundamentada/motivada”. Quer dizer, a ordem escrita deve especificar o motivo da prisão. Com isso, a CF de 1988 “constitucionalizou” a necessidade de motivação dos atos judiciais, o que está de acordo com o princípio de motivação dos atos administrativos.
Acontece que em 2011 o artigo do CPP que trata da prisão foi alterado pela lei 12.403, passando a ter a seguinte redação:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
Essa alteração foi feita justamente por influência da jurisprudência do STF, que vigorou por apenas 7 dos 28 anos da CF de 1988, de que a prisão após a condenação em segunda instância só poderia acontecer após o trânsito em julgado.
O STF em 2009, quando alterou a jurisprudência que permitia a prisão após a condenação em segunda instância, criou um grande problema de coerência da legislação, o que levou a uma brecha que permitiu que milhares de ações penais prescrevessem. A reversão dessa decisão agora precisava desfazer o nó causado pelo próprio STF, que levou à alteração do texto do CPP que trata da prisão. Como desfazer esse nó? Discutimos a seguir:
A maioria do STF decidiu que a prisão após a condenação em segunda instância deveria ser a regra, não a exceção. Como compatibilizar essa decisão com o artigo 283 do CPP? Uma possível interpretação seria de a CF autoriza a prisão após a segunda instância, mas que o legislador infraconstitucional optou por uma hipótese mais benéfica para o acusado. É uma interpretação válida. Mas o fato é que o CPP foi alterado justamente devido à jurisprudência antiga do STF de que a prisão após a condenação em segunda instância não deveria ser a regra.
A solução vem de um raciocínio exposto por Barroso que é um princípio que modernamente vem sendo utilizado em diversas áreas do Direito: se há duas interpretações possíveis, deve-se optar pela “melhor”, a que produz melhores efeitos práticos, mais justiça, a que se compatibiliza melhor com o resto do ordenamento jurídico. Vou comentar três interpretações proposta durante o julgamento, todas no sentido de que o artigo 283 é constitucional, mas não impede a prisão após a decisão de segunda instância:
a) o artigo 283 não é exaustivo, havendo outras hipóteses de prisão.
Essa interpretação foi defendida por Fachin e Barroso. Seu fundamento é de que há outras hipóteses de prisão: a administrativa, a civil (falta de pagamento de pensão alimentícia) e, principalmente, a penal determinada pelo artigo 637 do CPP (que diz que após a segunda instância deve-se cumprir a sentença, sem que os recursos tenham efeito suspensivo).
b) a prisão após a segunda instância seria a prisão preventiva prevista no artigo 283, com fundamento na preservação da ordem pública.
Essa é a interpretação defendida por Barroso. A prisão preventiva não tem prazo determinado. A seguir o texto do CPP que esclarece suas condições:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
A função da segunda instância é justamente determinar se houve um crime e quem o cometeu. A 3ª. e 4ª. instâncias não examinam as provas e a autoria do crime (com exceção dos casos de foro privilegiado), mas apenas questões de direito (nulidades, erro de interpretação) e constitucionais. Assim, após a condenação na segunda instância já estão presentes os pressupostos da prisão preventiva, existência de crime e determinação da autoria. Falta determinar se está presente algum de seus requisitos. O raciocínio de Barroso, que me parece de difícil questionamento, é de que está presente o requisito da garantia da ordem pública, já que a efetividade da justiça e sua credibilidade são os fundamentos mais importantes da ordem pública. Assim, qualquer prisão após a condenação em segunda instância seria justificável para preservar a ordem pública.
c) o artigo 283 pode ser segmentado em 4 partes, sendo uma delas a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.
Essa é a interpretação defendida por Fux. O artigo 283 poderia ser assim segmentado: “prisão em flagrante delito”, “por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”, “em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado” e “em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
Essa interpretação não me parece se sustentar, já que a meu ver a parte do “trânsito em julgado” na verdade restringe o tipo de “ordem escrita” ao invés de trazer nova hipótese de prisão.
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